A exploração, o cinema e «Também a Chuva»

TambemAChuva

Bolívia, ano 2000. Uma equipa de filmagem escolhe este país para rodar uma longa-metragem acerca da “conquista” das Américas por Cristóvão Colombo, na perspectiva da exploração e dominação das populações indígenas pelo império espanhol. Contudo, a escolha do local deve-se à facilidade em encontrar mão-de-obra barata e não à sua pertinência geo-histórica. Cedo se percebe que Também a Chuva é um filme de contradições e de paralelos em toda a linha. Icíar Bollaín faz o exercício do filme dentro do filme, a metáfora de uma produção cinematográfica que perpetua a exploração que pretendia denunciar.

Neste cenário, enquanto se conta uma história as pessoas “reais” vivem diariamente problemas bem distantes da ficção. A mesma realidade para uns é um negocio lucrativo, para outros uma arte, mas para os locais é um espelho da sua própria condição, no presente e no passado. Em plena rodagem, uns bebem champanhe nos seus alojamentos enquanto outros, os locais, reclamam o direito ao livre acesso à água, aqui representando as formas contemporâneas de exploração e apropriação privada. A busca de lucro, na água como no cinema, é o mesmo motor que faz emergir o valor do dinheiro acima de qualquer outro.

Os limites da ética e o etnocentrismo estão em jogo sempre que se colocam à prova os valores da equipa de filmagem. Este processo gera conflitos entre as personagens principais: os choques entre um produtor cínico mas flexível (Luis Tosar) e um realizador idealista (Gael García Bernal) vão construindo lenta e progressivamente a redescoberta de consciência do primeiro, sobretudo por via da aproximação a Daniel (Juan Carlos Aduviri), o escolhido para representar o líder dos indígenas no filme.

tambem_a_chuva_02De referir o simbolismo da cruz, adereço central no processo de rodagem, que é também uma referência ao plano da estátua de cristo suspensa por um helicóptero do filme A Doce Vida, de Fellini.

Com uma belíssima fotografia, Bollaín dá-nos uma visão das deslumbrantes paisagens naturais mas também de planos que evidenciam a pobreza e as condições de vida deficitárias das populações locais. Procura-se intencionalmente esbater a linha que separa a ficção da realidade insinuando, através de uma narrativa em diálogo com o imperialismo espanhol, que as práticas coloniais não estão assim tão distantes.

A produção de um filme, movida pela inocência de fazer a crítica dos males do imperialismo, acaba por dar corpo a um novo ciclo de exploração. Aborda-se assim o poder do cinema para colonizar não só as pessoas e os lugares mas também a imaginação colectiva. Um filme corajoso e inteligente, com consciência social e política, mas nem por isso menos estético.

Classificação (0-10): 8

Também a Chuva | 2010 | 103 mins | Realização: Icíar Bollaín | Argumento: Paul Laverty | Elenco: Gael García Bernal, Luis Tosar e Juan Carlos Aduviri

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