Visita guiada ao ANIM – Arquivo Nacional das Imagens em Movimento

FocoNoArquivo

O Cinemaville passou uma manhã em volta das fitas e foi visitar o ANIM – Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, o centro técnico da Cinemateca Portuguesa e um verdadeiro santuário da memória do cinema. Normalmente é mais conhecida a actividade de programação da Cinemateca, mas essa não é mais do que a ponta de um icebergue sem o qual a exibição dos filmes que tanto prezamos nem sequer existiria. José Manuel Costa, sub-director da Cinemateca, acompanhou a visita e contou-nos tudo sobre a história e o funcionamento do ANIM.

O nascimento do ANIM

A cinemateca nasce na sequência de uma lei de 1948 e cria as suas estruturas na década de 1950, funcionando à data no Palácio Foz, onde hoje se encontra a Cinemateca Júnior. A conservação dos filmes em Portugal começou por ser feita nas traseiras do Palácio Foz, onde se construíram os primeiros depósitos climatizados, à data bastante actualizados face ao conhecimento existente. De então até aos anos 1980 houve uma verdadeira revolução tecnológica na conservação do cinema, que tornou obsoletos os cofres usados em Portugal que, para além do mais, se encontravam lotados. Foi a partir de 1980, com a autonomização da Cinemateca de outros organismos, que também se construiu o edifício “Cinema”, onde hoje se encontra a sede da Cinemateca, na Rua Barata Salgueiro. O incêndio de 1981, provocado pela inflamação de películas de nitrato de celulose, chamou a atenção pública para a necessidade de resolução do problema da conservação dos filmes. Planeado a partir dessa data, o projecto só saiu da gaveta em meados da década de 1980, sendo inaugurado em 1996, no concelho de Loures.

Secções e actividades realizadas

Esta colecção alberga cerca de 35 mil títulos, dos quais entre 5 a 6 mil longas-metragens e os restantes curtas-metragens. Em relação à origem dos filmes, a Cinemateca concentra-se antes de mais na preservação do património fílmico português, desde logo porque se não o fizer em princípio nenhuma outra instituição o fará, mas também conta com muitos filmes estrangeiros. Aliás, embora o legado do cinema português esteja preservado quase na totalidade, no capítulo das longas-metragens apenas 700 são portuguesas, o que é facilmente explicável pela escassa produção nacional comparativamente com a do resto do mundo. Contudo, são portuguesas a maioria das curtas-metragens, de resto o formato mais representado no arquivo.


O ANIM é composto essencialmente por três grandes depósitos: o de filmes em nitrato de celulose (suporte usado até à década de 1950), a primeira unidade construída (isolada por um perímetro de segurança devido a se tratar de um material altamente inflamável); o de filmes em acetato e poliéster; e o de filmes em suportes videográficos. Todos estes depósitos são uma espécie de cofres, mantidos em ambientes que combinam baixas temperaturas e níveis de humidade relativa reduzidos.

Depois existe o centro técnico, onde se desenvolvem um conjunto de sectores que suportam a actividade de preservação, dos quais aqui destacamos os principais. Em primeiro lugar, há uma secção de prospecção de filmes, cuja missão é a de constantemente tentar encontrar filmes perdidos ou novas cópias de filmes em mau estado.


Já no departamento de indexação e catalogação, a primeira etapa de qualquer material que chega à Cinemateca, faz-se a verificação e identificação dos filmes e do seu estado de conservação nesse momento, bem com a confirmação do conteúdo. De referir que, quando se revela particularmente difícil a identificação de uma obra, uma das técnicas usadas é o recurso ao sistema de símbolos inscritos pela Kodak nas margens das películas, que permitem pelo menos descobrir o ano com precisão.


Em diversas fases, o núcleo de preservação e restauro procede ao controlo da qualidade e à duplicação dos filmes para a sua conservação. Antes de mais importa distinguir a actividade de preservação, relacionada com cópias efectuadas com fins preventivos, da de restauro, que consiste na recuperação de obras parcial ou totalmente degradadas. Assim, existe uma secção de revisão e inspecção manual da qualidade do material fílmico antes e depois de cada bobine ser usada. Por seu turno, procede-se também ao restauro de materiais de suporte originais, as chamadas matrizes de conservação, para o processo de duplicação. Procura-se aqui salvar todo e qualquer fotograma e resgatar cada imagem enquanto for possível. Como nos explicou José Manuel Costa, numa Cinemateca cada fotograma é importante. Uma cópia que percorre o circuito comercial é cortada nas pontas de cada bobine a cada projecção, perdendo-se pelo menos um fotograma a cada corte. O projeccionista poderia considerar que a perda de um fotograma, dos 24 projectados em cada segundo, não seria importante, mas essa é a razão pela qual após diversas projecções um filme pode perder vários minutos da sua duração.


Não menos importante é o laboratório de restauro próprio do ANIM. Com o fim da Tobis, o ANIM adquiriu e aproveitou algum do seu equipamento tendo criado de raiz esta unidade, de longe a mais complexa e arriscada que o ANIM empreendeu precisamente por ser uma actividade pioneira no país, carecendo, entre outras coisas, da mão-de-obra especializada para o seu funcionamento. Este laboratório, quando devidamente suportado em termos administrativos (algo que actualmente não acontece) revela-se financeiramente auto-suficiente, uma vez que exporta imensos serviços de grande qualidade e tem como clientes diversas cinematecas entre as quais a francesa, a suíça, a espanhola e várias do continente americano. As duplicações aqui feitas consistem não apenas na criação de cópias para fins preventivos mas também na reconstituição de novas matrizes de conservação originais, melhorando inclusivamente muitos erros e imperfeições no processo.

Por último, referir ainda a conservação e recuperação que aqui se faz de objectos que marcaram a história do cinema, tanto de equipamentos técnicos como de cartazes ou cartonados.

A importância do ANIM, da Cinemateca e os desafios actuais

A actividade de preservação do património e da memória cinematográfica é de uma pertinência incontornável, não apenas em termos culturais e artísticos na conservação de uma faceta marcante da expressão e comunicação humanas mas também, em termos mais práticos, no acolhimento da actividade de investigadores e apoio a novas produções que requisitem imagens de arquivo. Outro aspecto importante e valioso é o facto da Cinemateca Portuguesa ter como princípio de conservação museológica que o legado cinematográfico do século XX, apoiado essencialmente em suportes analógicos, deve ser legado às gerações seguintes na sua tecnologia original, com todas as limitações inerentes, porque essa é parte da verdade artística dos filmes, do mesmo modo que os museus restauram quadros de acordo com as técnicas de pintura de cada época.

ColoniaBalnear

No final da visita, assistimos com os próprios olhos a um exemplo acabado de um filme que sofreu intervenções nos diversos sectores do ANIM, e reflectimos sobre algumas das dificuldade que vive actualmente. Por um lado, a falta de financiamento e, sobretudo, as limitações administrativas e de controlo orçamental, constituem restrições à actividade normal do ANIM. Se na sua origem este arquivo se encontrava na vanguarda da conservação fílmica a nível internacional, hoje começa a sofrer por falta de financiamento regular para a necessária manutenção da tecnologia em bom estado e constante adaptação estrutural.

Por outro lado, mais concretamente, existem neste momento novos depósitos de filmes aos quais faltam estantes próprias para uma organização eficiente e optimização do espaço, do mesmo modo que não existe ainda uma unidade de arquivo digital (o que significa que os filmes produzidos nos últimos anos não estão a ser preservados e correm mesmo o risco de se perder), nem um único projector que permita à cinemateca exibir filmes no novo formato digital (DCP – Digital Cinema Package), o que também sacrifica consideravelmente a sua actividade.

A todos os interessados damos a boa notícia de que ainda é possível visitar de forma gratuita o ANIM durante o presente mês e recomendamos vivamente que o façam a partir da informação abaixo:

Datas: 22 e 26 de Janeiro | Partida às 9:00 da Rua Barata Salgueiro 39, regresso às 13:45 (a Cinemateca fornece transporte para a visita)
Inscrições: 213 596 250/1/2 (14:00-20:00) | cinemateca@cinemateca.pt

2 responses to “Visita guiada ao ANIM – Arquivo Nacional das Imagens em Movimento

  1. Parabéns pelo artigo. Curiosamente, de todos os que sairam na altura sobre o ANIM e a Cinemateca, este é dos que aborda de uma forma mais completa o funcionamento da instituição em que trabalho há 15 anos. Obrigado.
    Filipe Lopes (apareço numa das fotografias em cima) 🙂

    • Filipe, obrigado pelo comentário. Foi um grande privilégio poder visitar esta instituição que, de tão interessante, justificou inteiramente um artigo em profundidade. Muito nos alegra receber este feedback, sobretudo vindo de alguém que está “por dentro”. Só podemos retribuir os parabéns pelo trabalho na preservação do cinema!

Comentários

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