Esta foi uma noite de cinema invulgar. Sem cadeiras a formar uma plateia, o público dispersou-se pelos diversos recantos do Teatro do Bairro, a maioria sentando-se no chão, em frente ao palco. A Zero em Comportamento (organização evidentemente inspirada pela obra com o mesmo nome) aliou-se à Baixa-Chiado PT Bluestation e encerrou desta forma a programação que durante o mês de Fevereiro esteve a seu cargo. A dois filmes de Jean Vigo, Taris e Zero em Comportamento, juntou a música singular de Norberto Lobo. Se experimentar o cinema com música ao vivo raras vezes corre mal, quando as imagens são deste incrível cineasta francês e os sons de um dos músicos mais criativos da cena portuguesa, as expectativas elevavam-se à partida. E cumpriram-se em pleno.
Embora este tipo de conjugação seja mais comum com filmes mudos, estas são duas obras sonoras, inclusivamente das primeiras experiências do sonoro em França. Taris, uma curta-metragem experimental, consiste sobretudo em filmagens numa piscina, bastante invulgares à época, protagonizadas pelo grande atleta francês que dá nome ao filme. Este quase-anfíbio é aqui objecto de belos e ousados planos, desde apertados close-ups a extravagantes rewinds, passando por peculiares sequências subquáticas em slow motion.
Por seu turno, Zero em Comportamento é um poema revolucionário como há poucos, tão pueril quão subversivo. Censurada em França durante 12 anos, a média-metragem encerra uma lição não apenas à frente do seu tempo mas sobretudo liberta de amarras temporais, influenciando posteriormente diversos cineastas (veja-se Os Quatrocentos Golpes, de François Truffaut). A acção centra-se em três rapazes que regressam à escola depois das férias para enfrentar novamente uma escola mais eficaz no controlo e na repressão dos seus pupilos do que na sua missão educativa. Maus professores, refeições repetitivas e uma cultura disciplinadora valorizada acima de qualquer outro objectivo são o que caracteriza esta instituição. Mas os rapazes têm um plano secreto rumo à liberdade e mal podem esperar para o colocar em marcha.
Jean Vigo partiu jovem, com apenas 29 anos, mas antes deixou-nos uma inspiradora fábula libertária, que do primeiro ao último plano nos relembra que perante o querer e a união dos homens nem o céu terá limites.
