Malick à procura d’«A Essência do Amor»

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O mais recente filme de Terrence Malick mergulha numa temática aparentemente simples, um sentimento profundamente humano mas ao mesmo tempo complexo e fora do nosso controlo: o amor. Uma vez mais, Malick salta fora da típica cinematografia americana, utilizando a câmara de forma orgânica, trocando os típicos planos médios por outros que “amputam” as cabeças aos personagens, por exemplo, movimentando-se como se fosse levado por ondas.

Desde cedo sentimos que as paisagens dos diversos espaços do filme acentuam as diferenças psicológicas entre as personagens. Marina (Olga Kurylenko), parisiense, está associada a monumentos grandiosos, a uma natureza viva através de elementos como a água ou a relva verdejante, exaltando a sua natureza enérgica e a sua joie de vivre. Por sua vez, Neil (Ben Affleck), companheiro de Marina, é associado a uma América mais rural, onde planos mais fixos realçam a sua personalidade mais introvertida e estática. Apesar destas personagens serem aparentemente antagónicas, demonstra-se que o amor é algo que escapa à razão e que acontece em circunstâncias tantas vezes inesperadas, sendo que cada um reage ao sentimento de acordo com a sua própria linguagem corporal.

Aliás, este é um filme marcadamente não-verbal, sendo evidente o esforço para captar o toque entre as personagens, sobretudo através de planos onde as mãos aparecem em detrimento dos rostos: são elas que sentem a terra, que recebem o calor da luz – de facto, as mãos são o barómetro das relações que aqui acompanhamos. A segunda personagem feminina, que também se relaciona com Neil, é Jane (Rachel McAdams) e, tal como ele, surge relacionada com uma América de campos rudes e áridos, ligada à terra (mais uma vez contrastando com Marina), mas apesar de todas as semelhanças a trilha sonora desconcertante surge como um mau prenúncio para esta relação.

No entanto, a principal personagem deste filme é o amor: é ele que aproxima, que afasta, que dá vida ou que a suga. Tanto eleva as personagens emocionalmente como, em momentos de amargura, se transforma em frio, em distância e em ódio, instantes em que a câmara acelera os seus movimentos e a paisagem perde cor. Malick parece querer dizer-nos que os desígnios do amor são absolutamente independentes da vontade dos seres, como um fruto irresistível de colher, saboreado como se fosse eterno. Em A Essência do Amor vemos espelhadas não apenas as ligações amorosas mais básicas mas também outras vertentes, como o amor de mãe ou o amor divino.

A personagem de Javier Bardem é precisamente um padre que atravessa uma crise de fé e que pouco interage com as restantes personagens, a não ser pela partilha da vulnerabilidade perante a ausência de um sentimento que, segundo os valores cristãos, deve Ser dado e recebido, goste-se ou não. Aos olhos divinos, o Amor entre dois seres humanos é representado como uma imagem do que ele deve ser mais do que aquilo que é na realidade, como uma ilusão que se toma como fio de prumo:

“A mulher deve ser adorada pelo homem como a igreja pelo padre.”

O uso das línguas nativas de cada personagem (francês, inglês, espanhol e italiano) é deveras interessante e não é inocente, já que cada idioma parece transmitir melhor a mensagem das personagens, algo que se perderia com a generalização do uso do inglês. O francês embala-nos numa personagem apaixonada, o inglês numa personalidade mais pragmática, o espanhol é testemunha de um catolicismo em dúvida e o italiano traz um mundo novo que nos liberta dos bens materiais.

É assumido o objectivo do realizador em criar uma visão real e palpável do amor, uma perspectiva orgânica que incorpora personagens enraizadas nas suas comunidades e recorre sempre à luz natural. E se, garantidamente, este não é o seu filme mais inspirado (para tal contribuem negativamente as prestações pouco conseguidas dos actores que protagonizam o triângulo amoroso), prova-se que continua a valer a pena seguir Malick, que reafirma a vontade de reflectir crítica e filosoficamente sobre questões universais ao invés de simplesmente entreter com uma narrativa tradicional e uma boa história. 

Classificação (0-10): 7

A Essência do Amor | 2012 | 112 mins | Realização e Argumento: Terrence Malick | Elenco: Ben Affleck, Olga Kurylenko, Rachel McAdams e Javier Bardem

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