«Os Nossos Filhos», ou simplesmente perder a razão?

os nossos filhos

À Perdre la Raison, em português intitulado Os Nossos Filhos, é um drama realizado por Joachim Lafosse que nos transporta para o lado negro da maternidade. O filme centra-se em três personagens centrais. Murielle (Emilie Dequenne) e Mounir (Tahar Rahim, anteriormente visto em Um Profeta) decidem casar-se e, assim sendo, anunciam-no à família. O terceiro elemento desta tríade, e o primeiro familiar a receber a notícia, é um senhor que criou o noivo desde adolescente, o Dr. André Pinget (Niels Arestrup), que os convida a morar com ele no início da vida de casal. Partindo desta introdução, e da fase de enamoramento e paixão do casal, segue-se o segundo capítulo: as crianças.

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A partir daqui a própria estrutura do filme salienta o ciclo em que o casal cai: Murielle engravida, durante alguns meses consegue continuar a sua vida profissional, o bébé nasce, o casal gere a felicidade do momento de partilha e André está lá para ajudar. À medida que este ciclo sofre algumas iterações todos os momentos são agudizados e levados um bocadinho mais ao extremo. As três personagens assumem papéis muito diferentes. As masculinas servem de blindagem entre Murielle e o mundo: por um lado o marido tende a não a compreender e a julgá-la por qualquer erro que não cometeu, mas que também não esteve presente para ajudar; por outro, André surge sempre como uma falsa ajuda, que vai estendendo os seus tentáculos, comprando o conforto e estabilidade a esta família, em troco de uma manipulação emocional que domina toda a família e os mantém reféns (tal como no gesto subtil, mas repressivo, testemunhado pelo marido em que André puxa Murielle para se sentar num momento de entusiasmo na festa da sua filha). Murielle vai mergulhando cada vez mais num sentimento de solidão, de profundo cansaço, e numa grave depressão, aguçada tanto pelo rumo que a sua vida levou, na qual parece ser levada pelo vento, como pela carga opressora das figuras masculinas que a rodeiam.

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Tudo isto culmina no plano sequência em que Murielle, ao conduzir um carro, se desmorona ao som de uma música de Julien Clerc, cuja letra transmite o ponto de vista masculino e as mulheres são caracterizadas como frágeis e difíceis, ilustrando a sua pesada carga de um modelo comportamental feminino que inclui simultaneamente saber ser mãe e ter as refeições prontas quando os homens chegam a casa. E isto sem ripostar, sob pena de ser alvo de violência física.

Os actores são bons, no entanto realça-se a prestação de Emilie Dequenne, que apesar de toda a violência psicológica que o papel encerra desempenha-o com grande delicadeza e sensibilidade (actriz que, inclusivamente, já venceu o prémio para melhor atriz no Festival de Cannes, em 1999). Sendo uma história baseada em factos reais, para quem não se lembra da história original o filme terá um impacto ainda maior, uma vez que o realizador tem uma abordagem muito clean dos acontecimentos, fechando um círculo ao terminar o filme da mesma forma que o inicia,  sendo fora de campo que se ouve tudo o que é preciso ouvir…

Classificação (0-10): 7

 Os Nossos Filhos | 2012 | 111 mins | Realização: Joachim Lafosse | Argumento: Thomas Bidegain, Joachim Lafosse | Elenco: Tahar Rahim, Niels Arestrup e Émilie Dequenne

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