A Gaiola Dourada leva-nos até Paris, ao seio de uma família portuguesa de emigrantes de longa data. Maria (Rita Blanco) é porteira e tem a seu cargo toda a logística de um edifício chique situado num dos melhores bairros da cidade. José (Joaquim de Almeida) trabalha na construção civil e é um funcionário de excepção. Perfeitamente integrados e com um naipe alargado de familiares e amigos, o casal é presenteado com uma inesperada herança que os faz ponderar o regresso a Portugal para viver confortavelmente na sua casa de família, decisão que ameaça desestruturar toda a teia de relações em seu redor.
Esta longa-metragem marca a estreia auspiciosa de Ruben Alves no grande ecrã e assenta a sua narrativa num inteligente paradoxo sobre a vida de Maria e José: o resultado do seu profissionalismo e dedicação ao trabalho ao longo dos anos constitui o maior entrave ao seu abandono do país e à melhoria das suas condições de vida, que graças à fortuna que acabam de herdar poderiam beneficiar. Tanto na dimensão profissional como na familiar, são múltiplos os obstáculos que patrões e parentes colocam ao casal para evitar que deixem a capital francesa. Mas a inclinação para voltar ao país de origem é forte, sobretudo para José, que diariamente recorda as suas raízes olhando para uma fotografia da sua casa de família que mantém no cacifo do trabalho. Na prática, e o realizador concretiza-o em plano, esta família sente-se um pouco por detrás das grades como quem está preso numa gaiola, por mais que a preze e “dourada” que seja.
Do primeiro ao último constrói-se uma imagem estandardizada do português emigrado em França. Mas não se fica por aí, e embora os estereótipos estejam bem vincados, as personagens – pelo menos as principais – vão-se desenvolvendo ao longo do filme e ganhando contornos progressivamente mais individualizados e autênticos. Mais, acabamos por nos rir dos traços caricaturados da “portugalidade” de uma forma que massaja o ego da comunidade emigrante, com uma moral subjacente que dá a entender que são eles quem, apesar das suas tarefas simples e estatuto modesto, sustentam pilares sociais e económicos fundamentais da sociedade francesa. E é abraçando o estereótipo que o segredo do filme de desenha e é a partir daí que se consegue que tanto franceses como portugueses observem esta realidade para além do óbvio.
Apesar do leque consideravelmente alargado de personagens, mantém-se a coesão e integração do elenco, sempre bem dirigido e com interpretações conseguidas. Aliás, no caso de Rita Blanco não é sequer novo encarnar este tipo de papel, pois já o havia feito em Ganhar a Vida, de João Canijo, e, mais recentemente, num pequeno papel em Amor, de Michael Haneke.
Por seu turno, a música, marcadamente portuguesa, traduz em diversos momentos o espírito do filme e, afinal, da própria família Ribeiro: Uma Casa Portuguesa e Prece, de Amália Rodrigues, são disso bons exemplos.
Em suma, A Gaiola Dourada é um retrato social com uma leveza comprometida e muito divertido, um olhar próximo e atento às particularidades da condição dos emigrantes que se mostra capaz de agradar a públicos diversificados (o que explica em parte o enorme sucesso que tem tido em França): é bem disposto mas não é “light”, é bem filmado mas não é pretensioso, é uma história simples e familiar mas apoia-se num argumento sólido e não-linear.
Classificação (0-10): 7
A Gaiola Dourada | 2013 | 90 mins | Realização: Ruben Alves | Argumento: Ruben Alves e Hugo Gélin | Elenco: Rita Blanco, Joaquim de Almeida e Roland Giraud