Elaborámos uma série de entrevistas que antecipam o arranque da edição de 2013 do MOTELx. O objectivo é conhecer melhor e comparar as visões e opiniões de um conjunto de realizadores portugueses cujos filmes integram a selecção oficial em competição pelo Prémio Yorn MOTELx 2013, que visa distinguir a Melhor Curta de Terror Portuguesa. Hoje partilhamos a entrevista com Patrick Mendes na qual revela o caminho que trilhou para se tornar realizador, as suas principais influências, a sua visão sobre o financiamento do cinema português e muito mais.
Cinemaville: Revela-nos sucintamente o teu percurso de formação e a forma como foste ao encontro do cinema. A oferta de ensino em Portugal foi suficiente de acordo com as tuas necessidades e expectativas ou tiveste de recorrer ao estrangeiro?
Patrick Mendes: Desde miúdo que me lembro de ser completamente viciado em cinema. Lembro-me que quando a minha mãe comprou um vídeo eu passava os dias a ver filmes. A minha mãe tinha que correr comigo de casa para eu brincar com os meus colegas. Quando cheguei ao 12º ano tinha mais de 300 VHS em casa e na escola só falava de cinema e de música. Apesar de estar no ramo de ciências, era o cinema que me fascinava. Nunca pensei no entanto que este seria o meu futuro. Acabei por concorrer e entrar no curso de Antropologia não tendo sido esta a minha primeira opção, e no semestre seguinte concorri novamente e entrei na última opção que era de Educação Especial e Reabilitação. Não estava satisfeito com o curso e foi uma conversa sobre cinema com uma professora de Antropologia e História do Corpo que me sugeriu concorrer ao curso de cinema (ela não me via no curso em que estava). A minha família na altura não ficou contente com esta minha escolha pois não se via futuro nesta área (a verdade é que nem eu via) mas apesar disso decidi concorrer ao conservatório de Cinema e qual foi o meu espanto quando fui seleccionado. Penso que a oferta de ensino em Portugal é limitada uma vez que estudei realização e durante o percurso escolar nunca me deram hipótese de realizar, mas a verdade é que tendo em conta o panorama nacional, o Conservatório é provavelmente a única escola de Cinema com palavra dentro do meio, mas nunca estudei no estrangeiro porque assim que acabei a escola, tentei fazer o meu percurso como realizador à custa do meu dinheiro e desta forma não voltar a correr o risco de não ter a oportunidade de realizar. Durante o conservatório trabalhei em projectos paralelos com o Miguel Gonçalves Mendes e foi o Miguel que acabou por me incutir o gosto na realização quando em 2008 propôs-me a mim e a mais dois colegas nossos realizar cada um uma curta metragem com um tema em comum. Foi assim que nasceu o Síndrome de Stendhal. No ano seguinte conheci o Paulo Abreu que me mostrou os seus filmes em Super-8 e ganhei uma vontade de para além de realizar, também de produzir e nasceu “Sangue Frio” e “Synchrotron”. Desde aí nunca mais parei de realizar.
CV: Quais as tuas principais referências na Sétima Arte?
PM: Esta é uma pergunta difícil, uma vez que tenho muitas referências, mas posso tentar deixar uns nomes de autores internacionais como David Cronenberg, David Lynch, Jan Svankmajer, Jean Cocteau ou Shinya Tsukamoto entre muitos outros. No panorama nacional, posso referir Reinaldo Ferreira, Pedro Costa, ou João César Monteiro.
CV: Sendo um filme actual, A Herdade dos Defuntos apresenta uma imagem marcadamente datada. Que relação tem este look com a narrativa e o que nos reserva este filme?
PM: Para responder a esta pergunta, têm que perceber apenas utilizo o super-8 por não ter dinheiro para filmar em 16mm ou em 35mm. A película na minha opinião é como uma espécie de portal que ajuda a criar verosimilhança para determinados ambientes o que me leva a supor que se fosse filmado em digital, os meus filmes provavelmente não funcionariam da mesma forma. Não quero adiantar muito sobre o projecto porque é uma curta metragem e assim sendo se começo a adiantar muita informação, esta irá perder o efeito surpresa, mas posso adiantar que se reflecte no estado do país, no plano de resgate da Troika e no abuso de poder político sobre os menos favorecidos.
CV: Tens alguma afinidade particular pelo cinema de terror? Acompanharias o MOTELx como espectador?
PM: O cinema de terror marcou-me desde criança e o primeiro prémio que os meus filmes receberam foi no MOTELx pelo que terei sempre um carinho especial tanto com o género como para com o festival e claro que acompanharei o festival como espectador dentro do meu tempo disponível, uma vez que me encontro a trabalhar na pós produção do meu último projecto o que fará com que provavelmente não consiga ser tão assíduo como fui nos outros anos.
CV: Consideras que o cinema em Portugal deve desenvolver-se independentemente dos apoios estatais ou o papel do Estado no financiamento é absolutamente indispensável? Que futuro vislumbras para o cinema “made in portugal”?
PM: Os filmes para se conseguirem auto-financiar necessitavam de fazer pelo menos um milhão de espectadores. Ora como o povo português continua a insistir que se faz mau cinema e falam sem conhecimento de causa uma vez que nem se lembram da última vez que foram ver um filme português, isto nunca iria funcionar. Por outro lado, quando se faz cinema que ultrapassa a barreira do comercial para passar a ser uma obra cultural, é mais que evidente que tem que ter apoio estatal. Senão teríamos que encher os filmes de publicidade para os poder financiar e o cinema não pode ser visto como um cifrão. O filme tem que primar pela qualidade e não pelo número de espectadores. O “L’Atalante” do Jean Vigo na semana da estreia não fez mais que trinta espectadores e hoje é considerado uma obra prima do cinema. O que seria deste filme se pensássemos só em números? Isto prova que falta educação cinematográfica neste país e o cinema tem que começar a ser visto como cultura e não como um espectáculo de feira de puro entretenimento.
Quanto ao futuro do cinema nacional, acho que enquanto o governo não obrigar as entidades a cumprir a lei do cinema, lei esta que foi feita pelo Estado português, o futuro parece ser uma coisa sombria, e por culpa do governo que não faz cumprir a lei que criou. Mostra que o governo e a secretaria de estado da cultura se encontram num estado de sonambulismo perante o que não lhes convém resolver, principalmente numa altura em que o cinema nacional tem sido fortemente premiado no âmbito internacional, o que prova que afinal de contas não somos nós que passamos uma má imagem.
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