«Thérèse Desqueyroux»

Adaptado do romance de François Mauriac de 1927, Thérèse Desqueyroux é o último filme que Claude Miller realizou antes de falecer em Abril de 2012 e dá conta do percurso de uma inteligente mulher francesa de classe social elevada que casa com um proprietário provinciano, bem com as consequências desse passo. O preâmbulo da história, que tem lugar na década de 1920, é protagonizado por Thérése (Audrey Tautou) e a sua melhor amiga Anne (Anaïs Demoustier) em terna idade e indicia desde logo que a sua vida se cruzará inevitavelmente como a de Bernard (Gilles Lellouche), uma demonstração do quão predestinadas ainda eram as vidas no início do século XX.

O casamento viria mesmo a concretizar-se, mas ambos estavam conscientes de que esta união tem mais que ver com questões de dinastia do que românticas, já que ambas as famílias são proprietárias de pinhais e a junção dos seus terrenos tornaria-as ainda mais ricas. As diferenças são evidentes: ela é ateia e uma mulher independente; ele gosta de caçar e vive enraízado numa família insuportável. Paradoxalmente, Thérèse julgava ainda assim que o casamento seria a porta para a libertação dos seus próprios pensamentos, mas cedo percebe que a clausura só terá tendência para aumentar.

Entretanto, Anne, irmã de Bernard, apaixona-se por um português judeu de seu nome Jean Azevedo, cenário que a sua família anti-semita tentar combater a todo o custo. Com efeito, este é o gatilho que desperta (ou poderia fazê-lo) novamente uma inquietude em Thérèse, que vive o romance da sua amiga Anne através de cartas, embora possivelmente graças ao seu casamento infeliz, ou pela inveja de uma paixão tão genuína e livre, acabe por colaborar com a família de Bernard para que este namoro termine.

Thérèse-Desqueyroux_destaque

Chega o momento em que tem um filho, o que apenas significa retardar a inevitável ruína do seu matrimónio. Apesar de em palavras induzir a ideia contrária, a rebelião de Thérèse é modesta em acções, cingindo-se a fumar continuamente e a recusar mostrar-se feliz. Uma vez estabelecida nesta sufocante hierarquia social, ela nunca consegue propriamente aceitá-la nem rejeitá-la, e a sua inactividade acaba por falar por si.

Ainda que o próprio filme padeça do mesmo mal, isto é, nunca ir muito longe em termos de complexidade psicológica, Miller constrói uma interessante metáfora com os incêndios nos pinhais, neles representando o fogo que os seus proprietários se mostram incapazes de atear nas suas vidas. Embora sempre pela rama, pretende-se estabelecer uma relação entre a violência que representam os constrangimentos sociais de uma vida sem margem para escolhas individuais com a violência que tal pode despoletar no indivíduo oprimido. Em termos estéticos esta produção almeja quase sempre um enquadramento típico de postal, com um estilo pouco inovador dentro dos retratos cinematográficos desta época, nunca chegando a constituir uma crítica social.

Embora Tautou faça o que pode para expressar os dilemas interiores de Thérèse, a verdade é que praticamente só o faz em registo monotónico e através de olhares para o infinito, o que por si só não se traduz num mar de significado, apenas na sua distância face à realidade em que se insere. Afinal, a maior fatalidade da sua vida acompanha-a desde a nascença: é burguesa.

Classificação (0-10): 6

Thérèse Desqueyroux | 2012 | 110 mins | Realização: Claude Miller | Argumento: Claude Miller e Natalie Carter| Elenco principal:  Audrey Tautou, Gilles Lellouche e Anaïs Demoustier

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