Com os seus dois novos filmes acabados de estrear no circuito comercial, e entre filmagens fora de Lisboa, João Miller Guerra e Filipa Reis arranjaram tempo para dar uma entrevista ao Cinemaville. Venham conhecer a dupla que em 3 meses realizou um documentário e uma ficção, num ambiente em que é preciso ganhar a confiança dos moradores: primeiro, para se poder filmar; segundo, para construir a história que se quer contar e terceiro, para tornar os moradores em actores cúmplices destes filmes.
Cinemaville: A ordem pela qual decidiram realizar, primeiro o documentário Bela Vista e depois Cama de Gato, foi intencional, no sentido estratégico de ganhar gradualmente a confiança dos moradores do bairro?
João Miller Guerra e Filipa Reis: Foi sim. Começar pelo documentário, também foi uma estratégia de aproximação ao bairro, uma forma de legitimar a nossa presença.
CV: Essa conquista torna-se mais fácil ao longo do tempo, à medida que têm diferentes experiências, que vos permitem ganhar ferramentas para desconstruir essas barreiras iniciais?
JMG e FR: Primeiro encontrámos o tema das varandas/corredores de acesso e fomos filmando cenas ao mesmo tempo que sentíamos necessidade de explicar aos moradores o que andávamos ali a fazer todos os dias. Gradualmente fomos sentindo que nos era mais fácil estar ali e isso tornou mais fácil a partilha que foi acontecendo entre nós e a população do bairro. Sem isso não teria sido possível realizar este projecto.
CV: Por vezes os condicionalismos técnicos, ou até mesmo o facto de colaborarem com não actores, podem introduzir um factor enorme de aleatoriedade. Como é lidar com essa dinâmica de improvisação, e equilibrar isso com a vossa intenção do que querem transmitir com o filme?
JMG e FR: Para nós isso faz parte da forma como temos trabalhado. E isso é bom. Aparecem outras coisas umas vezes acrescentam ao filme, outras não. Os filmes nunca são aquilo que imaginamos antes de os ter terminado.
CV: Se em Bela Vista tiveram a presença de muitas pessoas ao longo do filme, em Cama de Gato Joana é quase o próprio filme. Como foi trabalhar com as pessoas, houve uma direcção ou foi um trabalho de cooperação?
JMG e FR: Foi um trabalho de cooperação em moldes diferentes. Em Bela Vista todos os dias “íamos à pesca” e em Cama de Gato encontramos a personagem num casting e partimos daí para a construção de um guião e depois para a rodagem.
CV: Ao trabalhar com pessoas que não são actoresprofissionais, as prestações são mais autênticas e reais, mas esse factor acarreta uma responsabilidade maior. Falamos de pessoas vulneráveis que se expõe e que partilham a sua intimidade. Durante as filmagens, elas entram numa espécie de hiato da sua vida normal, masquando esse tempo acaba, tudo volta a ser como era… Vocês preocupam-se com as consequências desse impacto que têm na vida dessas pessoas?
JMG e FR: Claro. Para nós é muito importante eu haja sempre uma partilha e nunca um aproveitamento das situações. Talvez por isso seja impossível que não fique uma relação que dura. Ainda hoje mantemos um contacto regular com as pessoas que retratamos nos nossos filmes. Há uma relação que fica e isso é bom.
Mais informações sobre Bela Vista e Cama de Gato neste artigo.
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