Dois anos depois do sucesso de Asghar Farhadi com o filme Uma Separação (venceu o Oscar para Melhor Filme Estrangeiro), chega-nos agora O Passado, vencedor do Prémio do Público em Cannes 2013. Abordando o mesmo tema, as separações, este filme explora outras dimensões das rupturas conjugais numa sociedade europeia descomprometida e egocêntrica. Com a sensibilidade a que Farhadi nos habituou, o filme revela a história de Marie (Bérénice Bejo) uma parisiense que espera o seu ex-marido (Tahar Rahim) no aeroporto proveniente do Teerão, para assinarem os papéis que concluem o processo de divórcio. Na cena inicial, quando Ahmad chega, ele fala com Marie através de um vidro, sem se conseguirem ouvir. Este momento guarda a chave para a maneira como a família comunica entre si, ou melhor a sua falta de comunicação, que despoleta mal entendidos, segredos e uma profunda falta de confiança. As personagens estão divididas em duas unidades fragmentadas que se entrelaçam: uma, composta por Marie, suas filhas e o ex-marido; outra, pelo namorado de Marie, o seu filho e a sua mulher, que se encontra em coma. Todos eles complexamente reais, não há bom nem mau da fita, apenas pessoas que têm dentro de si instintos construtivos e destrutivos, muito bem desenhados neste argumento.
Apesar de ausente alguns anos, Ahmad ainda tem uma profunda influência tanto em Marie como nas suas duas filhas, principalmente a mais velha. Ele chega num momento crucial da dinâmica da família que Marie construiu, e por apresentar um um olhar neutro, quem vem de fora, torna-se um elemento conselheiro e estruturador desta família (os momentos de união, como as refeições à mesa ou até as pequenas obras em casa são iniciativas dele).
O título do filme é um elemento basilar e quase auto explicativo do drama de todas as personagens, ancoradas a um passado que as afunda lentamente. Marie é a mulher independente europeia completamente perdida nessa liberdade. Com dois casamentos frustados e um terceiro a caminho, ela encontrasse desesperada devido a um passado que a consumiu e um futuro que acarreta uma dúvida enorme. A filha adolescente (Pauline Burlet) vive revoltada com as escolhas da mãe, entrando numa espiral de vingança emocional, que só a contamina ainda mais. Ahmad é a única pessoa em paz com o seu passado (ainda que com ele tenha ferido todos à sua volta) e talvez por isso seja o único capaz de ajudar no presente. O namorado de Marie (Tahar Rahim) vive entre o amor presente por Marie e a história anterior com a sua mulher, que está no limbo entre a vida e a morte.
As crianças mais novas, personificam o eterno momento presente, patente nas expressões pragmáticas, simples e espontâneas. Fouad, o filho do namorado (interpretação brilhante de Elyes Aguis) encara toda esta mudança de um modo agressivo, reação normal de um menino cheio de medo e dúvidas, com uma necessidade basilar de segurança e que só precisa de sentir qual é a sua casa. Os actores dão alma às personagens, tornando esta ficção, por vezes, num lugar comum, no melhor sentido que esta expressão pode ter.
Mas não só de uma crua realidade vive o filme, que também transmite uma mensagem de esperança… Há sempre um futuro à espera e um momento em que decidimos que o passado já não é um peso que temos de carregar, e aí somos livres. Um filme que aborda magistralmente problemas tão quotidianos como urgentes de serem debatidos: a falta de comunicação entre pais e filhos, a intolerância da adolescência e a complexidade das relações amorosas. Existindo cada vez mais histórias que terminam sem uma razão concreta para ambas as partes e se avança para novas relações com questões por encerrar, ficando um pedaço de nós agarrado ao passado.
Classificação (0-10): 8
O Passado | 2013 | 130 mins | Realização: Asghar Farhadi | Argumento: Asghar Farhadi e Massoumeh Lahidji| Elenco principal: Bérénice Bejo, Tahar Rahim, Ali Mosaffa, Elyes Aguis, Pauline Burlet