“Somos todos cidadãos de Hollywood” – Edgar Pêra
Edgar Pêra, um dos mais experimentais e inventivos cineastas portugueses, é o autor do recém-publicado livro “Hollywood. Estórias de Glamour e Miséria no Império do Cinema”, no qual disseca com um misto de fascínio e olhar crítico talvez o mais importante mito do século XX: a indústria de Hollywood.
Este é um livro inesperado considerando a filmografia do autor, que parte do princípio de que se Hollywood invade o mundo com as suas obras então todos têm direito a conhecer os seus bastidores, a criticá-la e a “gozar o prato”, neste caso através da descoberta de pormenores da vida das estrelas e dos cineastas em tom maioritariamente cómico e sarcástico. Em Hollywood não só se contam histórias através dos filmes como existe paralelamente uma enorme quantidade de narrativas fora do grande ecrã em torno das suas principais figuras, mais propriamente personagens que pessoas. Neste livro, Edgar Pêra vai para lá do registo de “imprensa cor-de-rosa” e descobre ainda nas entrelinhas destas histórias o modo como se produzem objectos fílmicos nesta fábrica de sonhos e mentiras.
Tomando como ponto de partida a memória pessoal do realizador, o projecto tornou-se altamente metódico e demorado, embora sem a pretensão de ser científico (as principais fontes foram entrevistas e autobiografias), reunindo uma bibliografia bastante extensiva. O resultado é uma análise de Hollywood que começa com o surgimento do cinema e vai até à contemporaneidade, num tipo de trabalho que remonta aos primórdios da carreira de Pêra quando escrevia para o jornal Independente, no final da década de 1980.
Atravessando os mais diversos temas, em “Hollywood. Estórias de Glamour e Miséria no Império do Cinema” revelam-se muitos segredos, alguns mais bem guardados que outros. Por vezes evoca-se a polémica, como na suspeita de que os principais estúdios nos anos 30 serem maioritariamente judeus e alegadamente terem colaborado com Hitler (censurando nos filmes palavras como…judeu). Noutros casos devendam-se episódios cómicos e insólitos, como o de Orson Welles que, usando um líquido em festas para descobrir quem urinava nas piscinas, numa ocasião percebeu que só uma pessoa de entre os convidados não tinha uma auréola amarela à sua volta, ou a fobia de Hitchcock a polícias, padres e ovos a par da sua obsessão com a cor azul, ao ponto de dar festas em que até os bifes tinham essa cor. Pelo caminho fica-se ainda a saber que Lauren Bacall a certa altura deu uma tampa a Clark Gable e com isso ultrapassou a sua timidez ou que Charles Chaplin odiava borracha.
São apenas exemplos das inúmeras histórias que compõem este livro absolutamente viciante dedicado a cinéfilos e não só. Uma espécie de filme em palavras cuja capa faz apelo ao lado cor de rosa do star system hollywoodesco mas que é feito de muitos outros tons e conta a história das histórias que se contam sobre o império do cinema.