EM DESTAQUE
O Passado
Dois anos depois do sucesso de Asghar Farhadi com o filme Uma Separação (venceu o Oscar para Melhor Filme Estrangeiro), chega-nos agora O Passado, vencedor do Prémio do Público em Cannes 2013. Abordando o mesmo tema, as separações, este filme explora outras dimensões das rupturas conjugais numa sociedade europeia mais descomprometida e leviana. O filme revela a história de Marie (Bérénice Bejo) uma parisiense que espera o seu ex-marido (Tahar Rahim) no aeroporto proveniente do Teerão, para assinarem os papéis do divórcio. A chegada de Ahmad vem questionar a dinâmica da família em ruínas que Marie construiu. Rapidamente vemos que Ahmad teve uma profunda influência tanto em Marie como nas suas duas filhas e que ainda há muita coisa para ser compreendida. Um filme que aborda magistralmente problemas tão quotidianos como urgentes de serem debatidos: a falta de comunicação entre pais e filhos, as intolerâncias da adolescência e a complexidade das relações amorosas, existindo cada vez mais histórias que terminam sem uma razão concreta para ambas as partes e se avança para novas relações com questões por encerrar, ficando um pedaço de nós agarrado ao passado.
A Propósito de Llewyn Davis
Escrito e realizado pelos irmãos Coen, este é um filme inspirado na cena folk nova-iorquina dos anos 60 construído a partir de uma personagem central e ficcionada, Llewyn Davis (Oscar Isaac), um músico a tentar (sobre)viver da sua arte na emergente cena musical de Greenwich Village. Neste caso em particular, é a vida dedicada à música que, de facto, o eleva acima da mera existência. Assim, vai deambulando, sem morada fixa, “crashando” de sofá em sofá em casa de amigos que o acolhem e pouco preocupado com o “futuro”, em evidente contraste com Jean (Carey Mulligan), que busca um plano de vida nos subúrbios, onde um casamento e filhos não podem faltar. Ethan e Joel Coen conseguem mostrar o que vai “dentro” de Llewyn, mas o mundo que o rodeia, frio e calculista, não vê cifrões no seu talento e fecha-lhe as portas, fechando-o também num ciclo vicioso e precário, ilustrativo da grande dificuldade dos artistas em vencer num mundo subjugado ao apelo comercial e ao retorno financeiro. O filme, esse, é muito bem sucedido graças a um dos melhores argumentos que a dupla de cineastas já escreveu e, em parte considerável, ao desempenho de Oscar Isaac, melancólico e angustiado tanto quanto bem humorado, para além de musicalmente talentoso. Em seu redor pairam ainda um conjunto de personagens secundárias muito bem desenhadas, como a de Carey Mulligan, a acidez e amargura em pessoa, a de Justin Timberlake, o músico e marido “certinho”, ou o pequeno papel de John Goodman, um homem rico, excêntrico e decadente. Invariavelmente, os desígnios da vida de Llewyn obrigam-no a recordar que, por mais atribulada e difícil que seja, uma vida gasta a fazer o que se ama e em busca da concretização de sonhos só pode ser uma jornada incrível.
O Grande Mestre
Do aclamado realizador Wong Kar Wai, O Grande Mestre é um épico de acção inspirado na vida real do lendário mestre de Kung Fu, Ip Man, o homem que treinou Bruce Lee. Historicamente o filme situa-se na tumultuosa era republicana que se seguiu à queda da última dinastia chinesa, um tempo de caos e de guerra, mas igualmente uma época de ouro para as artes marciais. Esta obra de larga escala demorou cerca de três anos a ser filmada, rodada em paisagens lindíssimas como os mantos de neve do Nordeste da China ou os cenários de clima subtropical mais a Sul. No entanto, ainda que não falte emoção e autenticidade às cenas de combate (que contaram com o trabalho do coreógrafo de filmes como Matrix, Kill Bill ou O Tigre e o Dragão), Wong Kar-Wai não quis reduzir o filme ao espectáculo e ao artifício exagerado que se encontra em muitas produções do género. As artes marciais são apenas o tema, um pano de fundo sobre o qual o cineasta constrói uma teia dramática, quase meditativa, a qual não podia deixar de incluir uma história de amor. Uma mega-produção visualmente arrebatadora criada por um dos grandes mestres vivos do cinema mundial, que fará as delícias tanto de fãs de artes marciais como de apreciadores de um bom romance.
O Hobbit: a Desolação de Smaug
Na continuação da trilogia adaptada a partir da obra do escritor inglês J. R. R. Tolkien, O Hobbit, Peter Jackson realiza o segundo filme O Hobbit: A Desolação de Smaug. Os três filmes funcionam como uma prequela da trilogia O Senhor dos Anéis, dirigida pelo mesmo realizador. Mais uma vez continuamos a seguir Bilbo Baggins nas suas aventuras, agora que possui um anel poderoso e conseguiu escapar das Misty Mountains com os anões e Gandalf. Neste filme, Bilbo continua a sua viagem para conquistar Erebor e destronar o dragão Smaug. O elenco continua fiel a este projecto mas neste segundo capítulo temos de volta os Elfos e Sauruman, que não tinham aparecido em O Hobbit: Uma Viagem Inesperada. Fãs ou não, o mês de Dezembro não ficaria completo nas salas de cinema sem a atmosfera mágica das histórias de Tolkien.
OUTRAS ESTREIAS
Temporário 12
Temporário 12, realizado e escrito por Destin Cretton, foi seleccionado para o Leopardo de Ouro e venceu vários prémios na última edição do festival de Locarno. Este é um filme indie com uma sensibilidade enorme ao abordar de uma forma aberta e descomplexada adolescentes com problemas de adultos. Seguimos o percurso de Grace, de vinte e poucos anos, supervisora de uma instituição para adolescentes em situação de risco. Apaixonada pelo seu trabalho, ela dedica muita atenção aos jovens, embora lute em simultâneo com o seu passado conturbado. Brie Larson interpreta Grace, papel que lhe valeu o prémio para melhor actriz no Festival de Locarno, e com ela contracenam Frantz Turner e John Gallagher Jr.
Obediência
Obediência é provavelmente uma das revelações do mês. Realizado por Craig Zobel e baseado numa história real, este filme causou sensação na sua estreia no Festival de Cinema de Sundance. Numa crítica incisiva à complacência e obediência de cérebros adormecidos em automatismos, neste caso tendo como contexto um restaurante de fast food, esta história começa com um telefonema em jeito de partida que denuncia um roubo por parte de uma empregada levada cada vez mais ao extremo, sendo que a obediência da chefe põe em risco o futuro de todos os que ali trabalham. Um filme que explora um lado tão inocente como perigoso, de como somos programados para fazer coisas contra os nossos instintos naturais, assumindo que estamos protegidos pela lei ou por agentes de polícia, sem parar para nos questionarmos. Ann Dowd como chefe, Dreama Walker como empregada Becky e Pat Healy como agente Daniels compõem o elenco principal.
A Vida Secreta de Walter Mitty
A Vida Secreta de Walter Mitty conta com Ben Stiller na realização e como actor principal. Adaptado da historia clássica de James Thurber, este filme centra-se na personagem de Walter Mitty (Ben Stiller), gerente de uma loja de produtos fotográficos. Com uma personalidade aérea e sonhadora, Walter refugia-se da sua vida simples nos seus sonhos constantes em mundos fantásticos. Mas quando o monstro dos despedimentos se prepara para atacar, decide tomar a vida nas suas mãos e agir, embarcando numa aventura extraordinária. Uma comédia que conta com Kristen Wiig, Adam Scott, Sean Penn e Kathryn Hahn.
47 Ronin – A Grande Batalha Samurai
A “Lenda dos 47 Samurais” é a mais famosa do código de honra samurai e uma das mais duradouras no Japão. Reza a lenda que, entre 1701 e 1703, precisamente 47 guerreiros foram forçados a tornarem-se Ronin, isto é, samurais sem senhor feudal, pois o seu mestre havia agredido um alto funcionário judicial sendo por isso obrigado a suicidar-se. Perante esta injustiça, e como forma de restaurar a honra do grupo, os 47 Ronins elaboram um plano de vingança que envolvia matar o alto funcionário e toda a sua família, entregando-se depois às autoridades. É desta premissa que parte o filme, aqui retratada em tom de fantasia e aventura, com Keanu Reaves a encarnar o protagonista. Exibido em formato 3D, o filme promete mostrar esta lenda no grande ecrã como nunca antes foi vista.
Chovem Almôndegas 2
Depois do sucesso da cómedia Chovem Almôndegas, em 2009, chega agora a continuação da história iniciada no primeiro filme. O génio do inventor Flint Lockwood é finalmente reconhecido ao ser convidado pelo seu ídolo, Chester V, para integrar a Live Corp Company, onde os melhores e mais brilhantes inventores do planeta trabalham em prol da humanidade. Tudo corre bem até ao momento em que Flint descobre que a sua máquina mais célebre (capaz de transformar água em comida) continua a funcionar mas agora está a criar seres híbridos que resultam do cruzamento entre comida e animais: comidimais! Entre tacodilos famintos, chimpacamarões, serpentartes de maçã e hamburgeranhas, Flint abraça uma vez mais a missão de salvar o mundo nesta deliciosa e divertida animação.
Homefront
Homefront, de Gary Fleder, é um filme de acção americano mascarado com uma premissa cor de rosa. Um policia à paisana muda-se com a sua família para uma pequena cidade, quando uma pequena briga na escola entre a sua filha e o filho de um traficante de droga despoleta uma guerra entre os dois mundos, entre “o bem e o mal”. Uma história clássica no cinema americano que conta com a interpretação de James Franco, talvez o melhor do filme pelo valor acrescentado que traz a estes papéis de marginal (impossível esquecer a sua prestação em Spring Breakers), mas também Winona Ryder e Jason Statham.
Tal Pai, Tal Filho
Hirokazu Koreeda, realizador e argumentista japonês, vencedor de inúmeros prémios de melhor realizador em festivais internacionais, traz-nos Tal Pai, Tal Filho. O filme foi nomeado para a Palma de Ouro em Cannes e para melhor filme no London Film Festival, tendo arrecadado o prémio do Júri e uma Menção Especial em Cannes 2013. Koreeda elabora um relato tocante de um empresário que centra toda a sua vida na carreira e na ganância cega do dinheiro, até ao dia em que a vida lhe prega uma partida: passados seis anos desde o nascimento do seu filho percebe este foi trocado na maternidade e que não é o seu descendente biológico. Perante a revelação impõe-se a questão em relação à paternidade: serão mais importantes os afectos e o cuidado ou a informação genética transmitida no acto da concepção?
Velho Amigo
Remake americano do original de Chan-wook Park com o mesmo nome, Velho Amigo é um thriller sobre um homem que é raptado, preso e mantido isolado durante cerca de 20 anos, sendo um dia libertado sem motivo aparente. O seu nome é Joe Doucett, que inicia então uma jornada obsessiva com o objectivo de descobrir porque foi aprisionado e de encontrar o responsável. O que ele desconhece é que o maior mistério poderá estar na razão pela qual ele foi posto em liberdade. Spike Lee realiza esta adaptação do filme sul-coreano de 2003 e conta com Josh Brolin, Elizabeth Olsen e Samuel L. Jackson nos papéis principais, oferecendo suspense e entretenimento quanto baste, embora fique vários furos abaixo do filme original, que se recomenda.
Borgman
Camiel Borgman é um homem vadio que aos poucos invade a casa e as vidas de uma família de classe alta. Começa por bater à porta pedindo para tomar banho e progressivamente vai-se instalando e conquistando o seu espaço, não apenas físico mas também psicológico, jogando com as fraquezas e perturbações mentais dos que o rodeiam. Esta produção holandesa tem sido elogiada em festivais de todo o mundo, entre os quais o de Cannes e o de Londres, apresentando-se como uma surreal, mordaz e inteligente alegoria moderna para a noção de ascensão social, com potencial para se afirmar como filme de culto.
O Som ao Redor
Estreado em Portugal no Festival Indie Lisboa no ano passado, o filme brasileiro O Som ao Redor conta a história dos moradores de um edifício e dos militares que patrulham as ruas de um bairro de classe média no sul do Recife. Tal como o próprio nome indica, há uma abordagem sonora que é também ela uma personagem da história, provocando uma sensação de perigo a cada esquina, de tensão e paranóia, contrastando com imagens fortes das pessoas e dos lugares. Problematizam-se as relações, uma vezes de confiança, outras de estranheza, entre os moradores e o grupo militar que vem garantir a segurança pública e paz, entre a lei do bairro e a lei institucional. Do realizador Kleber Mendonça Filho, o filme foi vencedor de prémios como no Festival de Cinema Internacional do Rio de Janeiro, e São Paulo, e o prémio FIPRESCI do festival de Roterdão. Do elenco fazem parte Ana Rita Gurgel, Caio Almeida e Maeve Jinkings.
Mandela: Longo Caminho para a Liberdade
Crónica de Nelson Mandela baseada na autobiografia com o mesmo título que segue o sul africano desde a infância numa aldeia rural até se tornar no primeiro presidente democraticamente eleito na África do Sul. Cinematograficamente menos conseguido do que outras abordagens a “Madiba”, como Invictus, de Clint Eastwood, ou Mandela: Meu Prisioneiro, Meu Amigo, de Bille August, o filme de Justin Chadwick celebra este homem notável e a sua luta por causas maiores tendo como pontos mais fortes as prestações de Naomie Harris, como Winnie Mandela, e principalmente de Idris Elba, que dá corpo a uma das melhores interpretações Mandela de sempre.
Mr. Morgan’s Last Love
Da Alemanha chega Mr. Morgan’s Last Love, da realizadora e argumentista Sandra Nettelbeck, mais conhecida pelo co-argumento de Sem Reservas (2007). Este é um romance/drama que retrata a ligação de um professor de filosofia americano aposentado e viúvo com uma jovem parisiense e a mudança de vida que a sua cumplicidade irá causar. O elenco conta com Clémence Poésy (Harry Potter e os Talismãs da Morte e Em Bruges) como Pauline Laibie, Michael Caine como Matthew Morgan e Gillian Anderson e Justin Kirk como os seus filhos.
Augustine
Realizado por Alice Winocour, Augustine transporta-nos até à Paris do século XIX, onde testemunhamos a relação do neurologista francês Dr. Jean-Martin Charcot (Vincent Lindon) com uma das suas pacientes. O médico estuda uma doença misteriosa, a histeria, que atinge apenas as mulheres e que a falta de conhecimento à data faz confundir com possessões demoníacas. Quando a jovem Augustine (Soko) tem um ataque durante o trabalho é levada para o hospital e rapidamente se torna o objeto de estudo de Charcot, com a esperança de descobrir uma cura. Soko é uma cantora, estreante nas lides do cinema, que tem neste filme uma participação brilhante. Juntamente com ela, o filme conta com Vincent Lindon, Chiara Mastroianni e Stéphan Wojtowicz.
Jimmy P., Realidade e Sonho
Jimmy P. – Realidade e Sonho é o último filme de um dos mais conceituados realizadores franceses da atualidade, Arnaud Desplechin, seleccionado para a Palma de Ouro de Cannes 2013, transporta-nos para o pós Segunda Guerra Mundial. Jimmy, um índio Blackfoot que combateu em França, é admitido no hospital militar de Topeka, especializado em doenças mentais. Na ausência de causas fisiológicas, é-lhe diagnosticada esquizofrenia. Durante o tratamento, Jimmy conhece o antropólogo e psicanalista francês Georges Devereux, especializado em culturas nativas americanas. Com uma narrativa linear que nos faz lembrar Uma História Simples de David Lynch, este filme retrata a amizade entre os dois homens, que remonta à amizade entre o objecto de estudo e o pesquisador. Com Benicio Del Toro como Jimmy e Mathieu Amalric como Georges Devereux, dá-se um choque entre duas formas de interpretação diferentes, a americana e francesa, que resulta muito bem.
O Clube de Dallas
Matthew McConaughey, Jennifer Garner e Jared Leto encabeçam o elenco desde drama inspirado na história real de Ron Woodroof, um cowboy homofóbico, viciado em drogas, com estilo de vida louco e desregrado que muda drasticamente quando lhe é diagnosticado o vírus da SIDA (VIH) e lhe são dados apenas 30 dias de vida. Corria o ano de 1985, no Texas, e viviam-se os tempos mais negros desta epidemia (de resto uma era muito pouco explorada pelo cinema até agora), estando a própria sociedade americana muito dividida quanto aos meios de combate à doença. Agora ostracizado por muitos dos seus velhos amigos e esbarrando numa legislação ineficaz quanto à medicação para retardar a doença, Ron coloca mãos à obra e, bem ao seu estilo, segue à margem da lei procurando tratamentos alternativos um pouco por todo o mundo. Com a ajuda de um grupo de marginalizados (com quem em anteriormente nunca se associaria) constrói um autêntico “clube”, um circuito paralelo de compradores de medicamentos. Jean-Marc Vallée realiza esta história bem americana sobre o poder transformador da luta pela sobrevivência, pela aceitação e pela dignidade, com alguns apontamentos humorísticos mas nunca perdendo de vista a seriedade do assunto. Um filme que fica marcado pela personagem de Matthew McConaughey, cujo magnífico desempenho aliado à impressionante transformação corporal fazem deste o melhor papel da sua carreira.
Outrage – Ultrage
Num mundo corrupto onde a vingança e a traição são uma constante, a luta para chegar ao topo do poder, ou até simplesmente para sobreviver, é incessante. Este é o ambiente que se vive entre os diversos clã da Yakuza, a máfia de Tóquio, com os chefes de cada grupo a tentarem construir esquemas e fazer alianças para se tornarem mais influentes e que está traduzido em Outrage – Ultrage, filme escrito, realizado e protagonizado por Takeshi Kitano (dono e senhor deste género cinematográfico no continente asiático). Longe de ser o melhor filme que o cineasta já produziu, este drama de gangsteres recheado de acção serve sobretudo para assinalar o regresso de Kitano e recordar o seu potencial (basta pensar em títulos como Zatoichi, Fogo de Artifício ou Irmão), tendo contudo alcançado uma nomeação para a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
A Revolta dos Perús
Do mesmo produtor de Shrek chega uma jornada irreverente e divertida de dois perús de origens bem diferentes que unem esforços para viajar no tempo e mudar uma “pequena” parte da história: retirar o perú da ementa das festas tradicional que marcam esta altura do ano. Owen Wilson e Woody Harrelson emprestam a voz aos protagonistas de um filme que apesar de leve e para toda a família não deixa de conter uma mensagem ética importante, muitas vezes esquecida: a de que os animais consumidos no prato não têm qualquer razão para festejar.