O que fazer perante a vastidão do imenso oceano? Quando a solidão dói mais que qualquer ferida e nos damos conta da microscópica insignificância que somos no espaço infinito.
Na tela vemos um homem, apenas um homem. Não lhe conhecemos o nome, a idade (embora aparente ser de uma idade mais ou menos avançada) ou o credo. Conhecemos-lhe apenas a aparência e essa pouco ou nada significa quando não temos ninguém com quem comparar em termos estéticos naquela vastidão. O espetador atento e interessado irá provavelmente perguntar-se quais são os motivos para aquele homem estar ali, o porquê daquele homem procurar o isolamento extremo nos mares da Sumatra. Talvez até pergunte quem são aquelas pessoas a quem ele deixa uma mensagem de despedida nos instantes iniciais, qual a sua relação com elas e o porquê daquele afastamento. Tudo isto daria, certamente, tema para uma interessante discussão antropológica e do foro da psicologia, mas nem este é o local ideal nem eu me atrevo a tal.
A verdade é que este é um filme muito difícil de explicar e até de criticar mas vou tentar fazê-lo, correndo o risco de parecer superficial. Começa com o Homem (usarei letra maiúscula uma vez que este não é apenas um homem vulgar) a bordo da sua pequena embarcação de recreio, navegando pelos mares calmos, até que este embate contra um contentor à deriva, rasgando o casco do pequeno barco. Este é um prenúncio do que se passará a seguir. Com uma paciência solene, o Homem vai remendar o casco e continuar a sua viagem, aparentemente sem destino traçado.
Enfrentando ventos e tempestades o Homem mantém uma atitude estóica, aceitando qualquer contratempo como uma espécie de desígnio superior. Vê-se assim no meio do mar, sem embarcação, a bordo de um pequeno bote de salvamento e, pela primeira vez, está frente a frente com a sua própria mortalidade. Talvez o seu comportamento calmo e controlado se deva a esta própria aceitação da mortalidade, quem poderá saber?
Robert Redford tem uma prestação brilhante neste que é, muito provavelmente, o papel mais desafiador da sua longa carreira. De facto, é fácil inferir que este seria um filme completamente diferente se outra pessoa tivesse tido a audácia de desempenhar o papel. É de realçar o sentimento de força e perseverança que Redford demonstra, as rugas na sua face experiente combinadas com o excelente trabalho de maquilhagem na elaboração das feridas e queimaduras dão à personagem o aspeto sofrido que nos cativa a atenção.
É preciso, também, realçar o trabalho competente de J. C. Chandor na realização, que mostra uma grande perícia na forma como dirige as câmaras em pequenos espaços, o que transmite muito bem o sentimento de claustrofobia e desconforto sentido pela personagem.
Mesmo assim, não pude deixar de reparar na evidente falta de planos amplos que, contrastando com os planos fechados do espaço pessoal do Homem, seriam fundamentais para criar a imagética de solidão no imenso azul. Este tipo de planos, embora escassos, não são completamente ausentes, mas mesmo aqueles que são utilizados não demonstram esta vastidão, pelo que
servem apenas de indício de tragédias futuras. A cinematografia é de louvar, especialmente a subaquática, com esporádicos traços de beleza, cardumes de peixes, tubarões e seres microscópicos, todos ritmados ao som de uma música que, sendo discreta, é infinitamente profunda na sua subtileza poderosa.
Depois de tudo dito fica a certeza de que nada poderá ficar perto da realidade de assistir a este filme e vivenciá-lo, o que será, de certeza, único. Não é possível enquadrá-lo numa das inúmeras categorias existentes no cinema e, embora muitos o tenham definido como filme de sobrevivência, na minha opinião não é possível fazer tal afirmação. E, apenas por essa razão, vale a pena ir vê-lo, pois será uma experiência para quem o vê como o foi para quem o realizou.
Classificação (0-10): 8
Quando Tudo Está Perdido | 2013 | 106 mins | Realização e argumento: J. C. Chandor | Elenco principal: Robert Redford