ENTREVISTA: António Lopes, realizador de «Fronteira»

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Quando a noite se abate, inicia-se a habitual agitação pelas ruas escuras e tortuosas de fronteira! Saem uns, e outros, desvanecendo na escuridão da noite, sem certeza de regressar. Um novo guarda chega à vila, Robalo. Este recusa-se a aceitar o modo de vida daquela gente, mantendo-se firme na sua missão, mas Fronteira tinha de vencer!

É esta a sinopse de Fronteira, a curta-metragem realizada por António Lopes, aluno da Universidade da Beira Interior. O filme, que conta com representações dos atores Pedro Laginha, Rita Brutt, Nuno Melo, Antónia Terrinha, entre outros, é baseado no conto de Miguel Torga que figura no livro “Novos Contos da Montanha”, que narra as vivências da população de uma aldeia junto da fronteira com a Espanha cujo único método de subsistência era o contrabando.
Conversámos com António Lopes para saber mais acerca deste filme, de projetos futuros e da sua relação com o mundo do cinema.

Cinemaville: Em que altura da tua vida decidiste que querias realizar filmes?

António Lopes: Senti-me atraído pelo cinema desde muito novo. Este gosto foi-me incutido pelo meu pai que desde criança me levou ao cinema. Ainda tive a oportunidade de assistir a filmes no antigo Cineteatro da Guarda, coisa que muita gente já não teve. Mais tarde, tive a oportunidade de me envolver mais seriamente no mundo do cinema com a criação do Cine Clube da Guarda, do qual fui um dos membros fundadores, em 2004. O “bichinho” do cinema foi crescendo e quando chegou a altura de ir estudar para a universidade, decidi ir estudar Cinema para a Covilhã. Até hoje não me arrependo desta decisão.

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CV: Que géneros de filmes gostas de ver e/ou realizar?

AL: No que toca à realização de filmes, muitas vezes estamos condicionados pelos meios que temos à nossa disposição. Por exemplo, eu sou um grande apreciador de filmes de terror, mas não me vejo a realizar cinema de terror porque acho que exige muito a nível técnico e de realização. Apesar de eu ter este gosto pelo cinema de terror e ter já organizado algumas mostras de cinema de terror na universidade, por exemplo. Seja como for, gosto do género de cinema mais contemplativo, mais técnico, a maioria dramas. Cinema de autor, basicamente. Mas acho importante haver gente que faça cinema de autor e outras pessoas que realizem filmes mais comerciais. Como é óbvio não tenho nada contra este tipo de cinema mais comercial. No caso desta curta- metragem, tentei fazer uma peça mais contemplativa.

CV: Qual é o teu processo criativo, como é que te preparas para a realização de um filme?

AL: Eu sou uma pessoa muito visual. Ao ler o conto estava já a imaginar como poderia transmitir aquela mensagem através do cinema. É já uma coisa natural, sempre tive este lado mais visual.

Como este filme se tratava de uma adaptação, estava muito limitado na maneira como poderia transmitir a mensagem. Comecei por fazer a visualização da história, a partir daí escrevi o guião literário para depois passar para a produção do guião técnico. Depois disso muita gente opta por fazer um storyboard. No meu caso, prefiro guiar-me mais por esquemas de cena. Penso que é mais útil visualizar o espaço na totalidade, como uma planta do que visualizar a cena em storyboard. Mas penso que é muito importante haver esta planificação, principalmente quando estamos a lidar com um cinema de baixo orçamento, em que os dias de rodagem são escassos. Ir com uma ideia geral do que se pretende para uma cena vai ser assim de extrema importância não só para o realizador mas também para o resto da equipa.

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CV: A tua curta-metragem é baseada no conto “Fronteira”, de Miguel Torga. Qual a tua opinião acerca da relação entre a Literatura e o Cinema, isto é, se achas que um livro pode ser adaptado para cinema e se isso faz com que o livro perca a sua essência?

AL: Essa é uma questão que é colocada desde o início do cinema e há duas vertentes de pensamento. Uma diz que o cinema deve estar afastado de todas as outras artes e seguir um caminho próprio, a outra, pelo contrário, diz que o cinema não perde nada em ligar- se às outras artes. Isto porque o cinema tem uma especificidade própria que a literatura não tem e pode até enaltecer a própria obra literária. Hoje em dia penso que é impossível separar o cinema da literatura uma vez que o início de qualquer filme é o guião e o guião, apesar de ter algumas características próprias, não deixa de ser uma composição literária. Nem todos os filmes poderão ser adaptados a livros nem todos os livros poderão ser adaptados em filme.

A meu ver, o cinema e a literatura enriquecem-se um ao outro.

CV: Uma vez que nasceste na Guarda e filmaste a tua curta numa aldeia do distrito – Vila Soeiro – queria saber em que medida foste influenciado pela cultura beirã?

AL: Uma vez que a história fala do contrabando e, mesmo não tendo lidado com esta realidade pessoalmente, ouvi histórias desta prática e fui influenciado nessa medida. A nível pessoal, sinto-me melhor nesta zona e o facto de ter nascido aqui e de ter sido cá criado provavelmente afetou a minha visão e a minha forma de trabalhar. Possivelmente se tivesse nascido em Lisboa ou em outra cidade, veria as coisas de outra forma. É sempre enriquecedor entrar em contacto com pessoas de diferentes zonas. Acho que não faz sentido distanciar-mo-nos das nossas raízes.

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CV: Qual a tua opinião acerca do estado do cinema em Portugal, se pensas ser possível fazer cinema de qualidade no nosso país e quais são as maiores dificuldades.

AL: Obviamente não podemos fugir da questão monetária. Neste momento não se investe muito dinheiro na cultura. É possível fazer boas obras com menos dinheiro se houver vontade. O cinema em Portugal continua a ser feito muito embora a falta de subsídios. Existe muito preconceito por parte do espetador quanto ao cinema português. As pessoas pensam instantaneamente que os filmes portugueses não prestam, e isto acontece, não só no cinema, mas também na música e em todas as outras áreas artísticas.

Há também o problema da distribuição e, principalmente no interior, existem apenas salas de cinema comercial. Isto leva a que os filmes de produtoras independentes não cheguem a todos os pontos do país. Torna-se crucial divulgar o cinema português, nomeadamente com alguns planos que estão a ser postos em prática ao nível das escolas. Existem diversos géneros de cinema em português, não apenas aquele tipo de cinema elitista, mais “cinéfilo”.

CV: Posto isto, que conselhos darias a um aspirante a realizador?

AL: Para começar, é preciso ver muito cinema. O cinema clássico, não só de Hollywood mas também o europeu permite-nos estudar diferentes técnicas de realização. A cultura cinematográfica é muito importante. A vontade é o mais importante, embora não seja fácil realizar filmes. Se uma pessoa gostar daquilo que faz consegue sempre arranjar maneira, mesmo com menos meios.

CV:  Qual é o filme da tua vida?

AL: Provavelmente teria de escolher o 2001: Odisseia no Espaço, do Kubrick. O Stanley Kubrick é um dos meus realizadores preferidos e este é um filme que me marca muito tanto ao nível da realização como ao nível da história e do conceito estético. Todos os filmes dele têm uma forte consciência estética e teórica por trás.

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