O conceito de beleza é tão subjetivo e opaco como o próprio conceito de vida. Procura-mo-la nos outros e tentamos desesperadamente conservá-la em nós.
É essa a obsessão quase patológica de Jep Gambardella (brilhantemente interpretado por Tony Servillo), um escritor de 65 anos que se movimenta, elegantemente, pelos meios artísticos e culturais da mágica cidade de Roma. Toda a sua vivência é uma procura constante pela fórmula da juventude eterna. Apesar da sua condição social o obrigar a reflexões transcendentais acerca da procura da verdadeira felicidade, que impressionam pelo carácter solene o seu grupo de conhecidos (que preza pela condescendência), estas são desprovidas de sentido e Jep sabe-o melhor que ninguém. Vê-se a si mesmo como um mundano, mas admite que toda a sua vida aspirou a ser o “rei dos mundanos”.
As suas paixões, fugazes, geralmente com mulheres mais novas, vão servir para inflamar o seu ego e levam-no a recordar uma paixão idílica, vivida na adolescência, cuja representação se encontra rodeada de uma aura de beleza quase divina. A mulher é, assim, apresentada numa dicotomia que estamos habituados a ver apenas em livros de dramaturgos românticos do início do século XIX: por um lado a mulher ideal, quase angélica, como uma tela pintada com contornos humanos que se perde e morre no meio da devassidão da realidade, personificada por Ramona (Sabrina Ferilli); por outro lado, a mulher decadente que, tal como Jep, se agarra com unhas e dentes a uma beleza há muito ultrapassada.
Apesar da sua personalidade exuberante e crítica, alheia às vidas que o rodeiam, Jep mostra-se-nos, no fundo, como um sonhador, com exaltações de fraco amor-próprio e incapacidade de auto-conhecimento. A sua incapacidade de voltar a escrever é um indício disso mesmo, da desconfiança em relação à sua pessoa.
A representação da cidade de Roma é incrivelmente absorvedora e suscita sentimentos de romantismo e melancolia sonhadora em Jep, que idolatra o espaço citadino. A beleza evidenciada na vivacidade das cores, na exuberância das personagens e na crueza dos cenários é de tal forma marcante que, este simples ser vivo que vos escreve, teve a pretensão de contemplar cada frame desta película como se de um quadro impressionista se tratasse.
Vendo esta obra projetada numa grande tela de um velho cinema relembra o que significa mesmo a arte de fazer imagens em movimento, vêm-me à cabeça mestres europeus como Bergman e Murnau e cresce a esperança no futuro desta forma de arte. A capacidade de misturar poesia com filosofia e artes plásticas (para não falar de artes performativas) é algo acima de extraordinário. Sentimos quase vergonha de observar um tal festival de miséria humana vestido com uma capa de luxo e ostentação que é tão transparente que chega a ser ridícula. Todo o argumento é nada menos que fascinante: Paolo Sorrentino atinge o apogeu do artista, característica mais rara num cinema cada vez mais massificado e comercial, e é com grande agrado que me vejo a “ler” este filme, medindo cada palavra. Por esta razão tem sido muitas vezes apelidado de “o próximo Fellini”, o que não deixa de ser paradoxal, uma vez que o cinema deste grande cineasta sempre primou pela originalidade. Seja como for, Sorrentino consegue a difícil tarefa de fazer chegar o cinema de autor ao grande público. Para além de inúmeros outros prémios, o Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira foi-lhe atribuído por esta obra, honra mais do que merecida. No entanto, atrevo-me a dizer que talvez merecesse o galardão de Melhor Filme do Ano.
O mais notável não são as interpretações, a cinematografia ou o guião, todos os quais excelentes, mas sim a sensação quando nos levantamos da cadeira empenhados na procura de algo que falta. Sabemos, ainda que de forma rude e simplista, o que é a beleza, mas é a procura de uma definição mais profunda, intemporal, que não pode ser categorizada, que, de certo, nos destruirá os alicerces que edificamos. Este algo é, pois, A Grande Beleza.
Classificação (0-10): 10
A Grande Beleza | 2013 | 142 mins | Realização e argumento: Paolo Sorrentino | Elenco principal: Toni Servillo, Carlo Verdone e Sabrina Ferilli
Mais uma grande crítica!!