«O Atentado» ou a violência da mentira

O Atentado Poster

Não é comum um cartaz subsumir tão bem o que está em causa numa obra cinematográfica, mas esse é o caso de O Atentado: segue-se um homem, Amin (Ali Suliman), cuja identidade esta de certa forma divida entre as suas raízes palestinas e a sua bem-sucedida integração na sociedade israelita, ao mesmo tempo que a sua mulher, de face oculta, leva uma vida paralela inimaginável.

Apesar de se debruçar sobre o recorrentemente violento conflito israelo-palestino, o realizador Ziad Doueiri inicia com uma nota de paz, designadamente a condecoração de Amin pela Sociedade Isrealita de Cirurgiões, a primeira em 41 anos atribuída a alguém natural da Palestina. Porém, e de parte a parte, o que se segue é uma amostra típica deste conflito, isto é, um passo em frente seguido de dois atrás: um atentado suicida faz 17 vítimas mortais e diversos feridos. Muitos deles acabam nas mãos de Amin, que em breve será informado de que a sua mulher, Sahim, não só faleceu no incidente (sendo que supostamente teria ido visitar a família à Palestina) como é a principal suspeita de o ter cometido.

De súbito, a mulher que ama há 15 anos parecia esconder bastante de Amin. Nesta relação, marcada pelas recorrentes despedidas, a personagem da mulher está também essencialmente ausente dos planos e apenas surge em flashbacks e aparições “fantasma” (pouco convincentes e eventualmente dispensáveis) que permitem revisitar momentos de inocência com a mulher reforçam a negação de Amin acerca desta revelação.

Mais do que um acto terrorista, este é um atentado contra os próprios valores de Amin, um pacifista que almeja a conciliação entre as duas sociedades e na sua profissão tenta salvar vidas, incluindo as que Siham, paradoxalmente, acabara de ceifar na sua missão suicida. No seio desta manifestação do conflito e das suas consequências concretas, o filme aborda sobretudo a violência da mentira com uma densidade emocional que vai surpreendendo progressivamente.

O percurso de Amin vai da negação absoluta dos factos, numa primeira parte, à recusa das motivações de Sahim e do livre arbítrio de Sahim, na segunda metade do filme, o que o leva a revisitar o território palestino à procura de respostas e responsáveis. Em Nablus, Doueiri faz questão de destacar elementos que contrastam com o urbanismo de Telavive, nomeadamente a segregação imposta pelo muro e a pobreza evidente.

Ali Suliman (que já vimos em Paradise Now) faz justiça à sua personagem, interpretando consistentemente um homem devastado pela descoberta de um segredo profundo que se torna indesejado, até mesmo odiado, por ambos os lados da barricada simplesmente por negar o conflito e não tomar partido.

Por seu turno, o realizador libanês (que até já colaborou como operador de câmara em três filmes de Quentin Tarantino) mostra-se ao mesmo capaz de imprimir ritmo e velocidade às sequências como de as tornar mais contemplativas e profundas, tanto em planos apertados como nos enquadramentos panorâmicos das paisagens de Telavive e Nablus. Para além disso, aplaude-se a subtil banda sonora e a ousada ausência de som em sequências particularmente emotivas – como a do reconhecimento do corpo da mulher, uma das mais fortes do filme – evitando assim o sentimentalismo fácil.

Baseando-se num livro de Yasmina Khadra, Doueiri optou por um final distinto a que autor resistiu bastante mas que empresta uma vertente mais poética a uma história capaz de não escolher um lado, porém polémica quanto basta para atravessar um penoso processo de produção e distribuição. De 2006 a 2012, O cineasta travou uma autêntica batalha judicial e de financiamento, tendo sido banido de grande parte dos países árabes, atitude que demonstra como o tema ainda é um enorme tabu com o qual ninguém se quer comprometer.

O Atentado é uma abordagem neutra e reflexiva sobre um problema aparentemente interminável, convidando a questionar a esperança que resta na sua conciliação através de uma jornada pessoal e emotiva pelos segredos que o ser humano é capaz de guardar até mesmo dos seus entes mais queridos.

Classificação (0-10): 8

O Atentado | 2012 | 102 mins | Realização e argumento: Ziad Doueiri | Elenco principal: Ali SulimanReymond Amsalem e Evgenia Dodena

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