Na 7ª edição da 8 ½ Festa do Cinema Italiano tivemos o privilégio de assistir a alguns exemplares recentes do melhor cinema produzido em Itália, para além de reposições de clássicos. Apresentamos breves críticas de Cani Arrabbiati, L’Intrepido e La prima Neve.
Cani Arrabbiati (1974)
O filme Cani Arrabbiati de Mario Bava, considerado um dos filmes essenciais do realizador deve ser visto pelos seus admiradores, nem que seja pelo facto de fugir ao estilo horror/gótico da maioria dos filmes deste talentoso realizador italiano. A história central é a de um grupo de quatro criminosos que, depois de realizarem um assalto a um Instituto Farmacêutico, se veem numa situação complicada para escapar da policia que vem no seu encalço. Durante o tiroteio um dos membros do grupo acaba por ser atingido mortalmente, ficando o grupo reduzido a três. A sua situação desesperada leva-os a um estado de frenesim violento, acabando o grupo por matar quatro pessoas antes de roubarem um carro, raptando um casal e o seu filho.
É neste carro que vai decorrer a maioria da ação do filme. Fazendo uso do espaço diminuto para criar uma sensação de claustrofobia no espetador, Mario Bava consegue, aliás, destacar com grande mestria as diferenças de estados psicológicos entre os raptores e os sequestrados. O ambiente é, na maioria das vezes, tenso devido à imprevisibilidade do grupo e à volatilidade destrutiva de alguns dos sequestradores.
O filme não tenta ser “limpo” na maneira com retrata a violência, fazendo, na maioria das cenas, uma abordagem crua e até mesmo fria da violência. No entanto, não pretende ser puramente chocante em si mesmo, apenas pretende retratar com o máximo de fidelidade a capacidade de destruição do ser humano.
Depois de ver a obra e, sobretudo comparando-a com outras obras semelhantes do cinema mundial do mesmo período, fica um certo desapontamento em relação à qualidade técnica da obra de Mario Bava. Este é, aliás, um dos maiores problemas com o cinema europeu da década de 70, tentar realizar obras do estilo das realizadas em Hollywood sem dispor de meios técnicos para tal. No final, um filme com um enorme potencial em termos de narração fica aquém das espectativas, isto não se devendo à falta de talento daqueles que trabalham no filme.
L’Intrepido (2013)
A história base da pelicula, embora simples, apresenta grande potencial cinematográfico, especialmente no género comédia, que bem anda precisado de ideias frescas. É nos apresentado Antonio Pane, um homem que tem como ocupação “tapar buracos” (pausa para risos pelo duplo sentido). Ele vai ter empregos que variam de operário fabril, a empregado de limpeza de estádios, a vendedor de flores. Ele vai ter um relacionamento com Lucia, uma empregada de limpeza com problemas financeiros, relação esta que é por vezes, pouco clara. A juntar a estas duas personagens temos ainda o filho de Antonio, um rapaz que toca saxofone numa banda e que, devido a isto, tem sérios ataques de pânico antes de entrar em palco, o que contribui imenso para a comicidade do filme.
Em L’intrepido, temos a certeza que o realizador pretende tecer críticas à sociedade onde insere as suas personagens, no entanto, na maioria das vezes estamos quase alheios quanto a qual será esta critica. Uma das falhar as principais nesta comédia, bem ao estilo de comédia italiana que nos foi dada a conhecer por Roberto Begnini (aconselho a todos o clássico La Vita è bella), é a falta de foco ao longo da sua duração. Todas as personagens parecem dispersas e não parece haver uma massa unificadora que possa ligar os tecidos da narração.
O que falha é mesmo a construção planeada de uma história, porque é visível o grande trabalho que foi empregue na construção inteligente das personagens. Mas, como gosto de dizer, as personagens são apenas o instrumento de entrega de uma narrativa, precisam de uma paisagem cénica e de um guia abstrato igualmente interessante onde poderão mover-se. Acabo esta curta análise por congratular o trabalho de escolha de cenários e todo o trabalho de representação levado a cabo por Antonio Albanese, que encarna como seria de esperar e desejar o papel principal de Antonio.
La Prima Neve (2013)
Uma das maiores qualidades da realizadora Andrea Serge é a brilhante exploração de cenários que faz, executando, com incrível mestria, planos abertos, dinâmicos, com a câmara em movimentos lentos, quase nostálgicos. O título “La Prima Neve” é adequado porque ao ver as paisagens brancas de Perigine, quase que parece que vejo neve pela primeira vez.
Dani (Jean Christophe Folley) é a personagem principal, imigrante com origem no Togo, faz-se acompanhar pela filha ainda bebé. A sua esposa morreu ao dar à luz a filha, o que provoca um sentimento ambivalente do pai em relação ao bebé, por um lado esta é uma espécie de ser continuo da memória da mulher mas, por outro lado, cada olhar que lhe deita fá-lo reviver a angústia da perda.
Dani vai trabalhar para Pietro, um velho apicultor que vive uma tranquila existência ao lado da nora, Elisa (Anita Caprioli) e o neto Michele (Matteo Marchel). Estes vivem diariamente, tal como Dani, com a dor da perda do pai de Michele, principalmente este último que toma atitudes de revolta para lidar com a dor. A relação que se estabelece entre estas duas personagens é, de certa forma, interessante porque podemos ver as duas formas de lidar com um mesmo problema. No entanto, e embora a realizadora nunca deixe cair o filme numa massa melodramática sem rumo, o desenlace não surpreende o que desilude porque o ritmo vai acelerando a partir da meia hora e o final acaba por ser dececionante.
O que fica após a visualização é, sem dúvida, a incrível cinematografia, que demonstra um grande estudo técnico e topográfico, essenciais para construir as magnificas imagens exteriores.