Não haverá, talvez, nenhum outro realizador que tenha representado tão bem a escola do Cinema Europeu como Bernardo Bertolucci. Esta corrente cinematográfica, que é verdadeiramente uma escola, até para muitos grandes realizadores mainstream, foi moldado por um restrito grupo de génios cinematográficos, vindos essencialmente de países do Sul e centro da Europa como a Itália, a França e até Portugal. Isto porque, no núcleo destas civilizações, enraizado com as gentes, está aquele sentimento romântico, uma visão idílica do mundo, que se funde com um muito real sentimento de insatisfação e revolta contra aquilo que a realidade oferece.
É assim, num espetro de emoções, entre a abulia insatisfeita do real e o sentido de revolta mental contra essa mesma realidade que se situam as obras de Bernardo Bertolucci, um dos melhores, se não o melhor criador de cinema europeu da atualidade, apesar do seu óbvio abrandamento nos últimos anos.
As sombras milimetricamente pensadas e a criação de cenários fechados, escuros e deprimentes, com um ténue feixe de luz vindo do exterior e que parece convidar o conjunto de personagens humanas dentro daquele claustrofóbico ambiente a sair e a vivenciar a natureza em pleno. No entanto isto nunca acontece, porque as figuras humanas são quase como sacos flutuantes, pesados psicológica e animicamente, incapazes de aproveitarem a vivência simples para eles guardada. Muitas são, também, as vezes em que aquele ténue feixe de luz é enganador e, para lá da janela de onde origina, apenas olhamos esfingicamente para uma paisagem lenta e dolorosa de gente caminhando sem sentido, por entre becos parisiense. Esta é toda a ideia de cenário por detrás do clássico e escandaloso Último Tango em Paris, em que duas personagens antagónicas, homem e mulher sem mais características a ser necessário tomar em conta, estabelecem uma relação de paixão carnal, física, angustiante e deliciosamente sórdida. Tal relação, poética e decadente, tinha necessariamente de terminar em tragédia.
Mas Bertolucci não nos mostra apenas ambientes deprimentes, salas fechadas, fumo de cigarro e mentes deturpadas, seres tornados monstros depravados pela força da sociedade. Testemunho das várias faces do realizador é a grande obra de cinema mundial, reconhecida universalmente como raras vezes acontece, O Último Imperador, note-se a semelhança entre este título e o supracitado. Realmente esta semelhança não é ocasional e denota uma interessante obsessão do realizador pela finitude, pelo desenlace trágico comum de todas as ambições e de todos os impérios materiais e imateriais.
Neste seu filme, o mais premiado e aclamado de todos, são explorados os espaços amplos, as grandes multidões indiferenciadas de pessoas venerando um líder quase Deus, amado e odiado. Mas este líder é apenas uma criança, um pequeno fragmento de gente, adornado de ouro e coberto de sedas, com poder absoluto sobre o maior império do mundo, o único império do mundo e, no entanto, é quase rídicula a inconsciência daquele “Imperador”, uma pequena estátua de si mesmo.
Maravilhosamente profundo na metáfora contínua, incessante. As cores claras dos grandes espaços, das grandes multidões, contrastam com a escuridão dos espaços pobres, fechados, sujos, analogia da queda de um império.
E tudo isto é o fruto de uma obra em constante mutação de um criador polivalente, perfecionista até ao mais ínfimo pormenor, obsessão que é comparada a um Stanley Kubrick. Tal como este realizador, tardiamente reconhecido, Bertolucci é conhecido pelo longo espaçamento entre filmes. Isto porque o processo de produção dos seus filmes é penoso devido às exigências sobre-humanas do italiano e ao seu método muitas vezes incompreendido.
Mas a inovação demora tempo, principalmente quando um homem apenas decide tomar as rédeas do progresso, não com um instinto de megalomania de ser que procura reconhecimento póstumo mas como um homem com a necessidade constante de remodelação e reestruturação dos seus próprios padrões.