«Narco Cultura», a fronteira entre a guerra e a arte

NarcoCultura poster

Uma pequena localidade do México chamada Ciudad Juarez, situada na fronteira que separa o México e os Estados Unidos, é agora uma cidade fantasma. Talvez esta denominação nunca tenha sido tão corretamente utilizada, já que esta cidade apresenta o maior número de homicídios do mundo, com mais de seis mil por ano, números estes em constante crescimento.

É assim o dia-a-dia desta povoação que, desde que foi declarada a guerra ao tráfico de droga em 2006, acorda todas as manhãs com o estrondoso soar da troca de tiros entre cartéis de droga ou entre estes e a polícia. Os cadáveres são dispostas pelas ruas como forma de aviso para qualquer opositor aos grandes cartéis que, desde as décadas de 60 e 70, com o aumento da exportação de droga para os Estados Unidos e para o resto do mundo, têm criado exércitos que ultrapassam em número os exércitos Mexicano e o corpo de efetivos dos EUA que operam naquela zona. Limpar o sangue das portas das casas e das poucas lojas que se mantiveram naquela cidade, resistindo às constantes tentativas de extorção dos grupos criminosos, tornou-se uma tarefa de rotina. De tal forma que as poucas pessoas que ainda param para observar os trabalhos da policia de investigação mostram olhares conformados, como quem aceita à violência daquele espetáculo deplorável.

O paralelismo que se pretende fazer neste documentário torna-se evidente quando nos são apresentados alguns dados elucidativos. Juarez é a capital mundial dos homicídios e, no entanto, a apenas cinco quilómetros de distância, do outro lado da fronteira a cidade de El Paso foi considerada a cidade mais segura dos EUA com apenas cinco homicídios registados num ano.

Narcocultura

O realismo extremo e a verdade crua que é apresentada aqui isola-se de outros documentários feitos acerca da mesma temática. Não irão encontrar aqui planos de câmara tremida onde são mostradas perseguições efetuadas pela policia, num esforço de mostrar a ação assertiva do governo, tudo para apreender uns dois ou três traficantes na posse de algumas gramas do produto nocivo, uma quantidade quase insignificante quando comparada com os milhares de quilos de cocaína que passam a fronteira anualmente vindos das montanhas de Sierra Madre. As forças policiais são aqui mostradas, não como um grupo de combatentes sobre-humanos capazes de desmantelar grandes operações mas sim como homens e mulheres que tentam, a cada dia, sobreviver a uma guerra que não compreendem, à medida que lidam com os constantes assassinatos de colegas e com a pobreza que também os afeta.

Do outro lado da fronteira, nos EUA, um grupo de artistas, nascidos no México ou com raízes neste país, criaram um verdadeiro género musical dedicado à vida dos membros dos cartéis. Os Narcocorridos, músicas inspiradas pela cultura do tráfico (Narco Cultura, que dá o nome ao filme), tornaram-se hinos, que imortalizam estes criminosos a sul da fronteira como heróis. A maioria destes músicos nunca conheceu de perto a realidade do tráfico de droga e falam dos grandes líderes como “El Chapo” Guzmán como se tratassem de libertadores do povo contra a opressão de um governo monopolizador.

Trata-se assim de uma aceitação da violência como realidade política, social e até cultural. O México, como o conhecemos hoje, é um país dividido pelas fronteiras que delimitam as zonas de ação das grandes empresas criminosas, fronteiras estas desenhadas a sangue, muitas vezes inocente. Muito longe dos ideais de liberdade e igualdade defendidos por revolucionários como Pancho Villa no ínicio do século passado, o território dos Aztecas tornou-se palco das mais sangrentas batalhas e das maiores demonstrações de desrespeito pelos Direitos Humanos no novo século. Acima de tudo, é importante perceber que Shaul Schwartz nos mostra uma realidade confusa, mesmo para ele, que não consegue dar-nos uma solução ou uma conclusão para este problema. Nesta obra incrivelmente subversiva apesar da sua simplicidade, a arte toma definições irreais mas, ao fim e ao cabo, é apenas a expressão de uma realidade e da maneira de a perspetivar por parte de um grande público cada vez mais sedento de violência.

Classificação (0-10): 8

Narco Cultura | 2013 | 103 mins | Realização: Shaul Schwartz     

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