Desde os primeiros minutos de Ida, que abre com uma série de imagens silenciosas de um conjunto de atividades levadas a cabo dentro de um convento por parte das freiras e noviças que o habitam, se percebe que este é exatamente o tipo de filme adorado pela crítica, principalmente aquela crítica europeia incapaz de aceitar o modernismo cinematográfico. Não serão necessários muitos conhecimentos de cinema mundial para perceber que se enquadra perfeitamente no estereótipo do filme europeu. Uma série de imagens sem vida, planos imóveis, gestos lentos de atividades penosas, o uso reiterado do cigarro como símbolo de uma personalidade introspetiva ou apenas de um certo nervosismo neurótico. Posto isto, não se poderá afirmar que foi mal executado tecnicamente, para além de que as referências ao cinema muito particular de Tarkovsky e de Bergman (especialmente a O Sétimo Selo) dão uma credibilidade invariável à obra. No entanto, nada de inovador será encontrado nesta longa-metragem, não foi tomado nenhum risco e não se ultrapassou nenhuma fronteira do que seria esperado de uma obra do género.
Mas consegue, dentro do pretensiosismo que o rodeia, contar uma história. E a história é simples e dramática, conseguindo dar relevo a este filme. A história de uma noviça prestes a fazer os votos para entrar definitivamente na sociedade monástica. Antes que o possa fazer, a madre superior do convento incita-a a fazer uma visita à sua tia, único familiar que lhe resta e que rejeitara aceitar a sobrinha em sua casa. Quando conhecemos esta mulher, Wanda, percebemos imediatamente que algo a atormenta, como se não conseguisse viver com os fantasmas do passado. A principio mostra-se distante em relação à jovem noviça como se fosse difícil para ela encarar as recordações que a sua presença suscita.
Wanda é uma mulher incrivelmente forte, característica que lhe permitiu exercer o seu cargo de juíza com tanto sucesso. Todavia, tudo isto só lhe permite afastar-se das pessoas, entrando numa espécie de ciclo de depressão e auto-destruição. É uma mulher devassa, bebe intensamente e mantém relações estritamente físicas com uma série de homens que ignora emocionalmente. Talvez por isto, a presença da sobrinha, arquétipo de pureza, a deixe ainda mais depressiva, entrando num ciclo destrutivo, dentro do qual dificilmente conseguirá sair. A jovem Ida é também influenciada pelo estilo de vida da tia, tentando, o mais que pode, manter a sua ligação divina sem cair em tentação e cometer os pecados executados pela parente.
Juntas, sobrinha e tia partem em busca da verdade acerca do verdadeiro destino trágico dos pais da rapariga, judeus que integraram os vinte porcento da população polaca afetados pela invasão nazi que acontecera à menos de duas décadas. As conclusões a que chegam acerca do destino daqueles jovens mostram-se destrutivas para a jovem noviça mas ainda mais para Wanda que, mesmo sendo óbvio que aquela realidade lhe era conhecida, não consegue gerir o acumular de emoções.
Agata Kulesza merece reconhecimento pelo seu desempenho como Wanda, cuja atuação impressionante consegue dar vida ao filme. Apesar do título Ida, vai ser Wanda o elemento central, a personagem mais complicada, densa e trágica como não poderia deixar de ser numa obra tão cerradamente dramática como é esta.
Temos tido a nossa quota-parte de ficção, que não se poderá denominar realmente ficção, acerca das atrocidades levadas a cabo pelas legiões nazis. No entanto, e embora as histórias e os pontos de vista variem, chegámos a um ponto em que apenas é realizado “cinema de vítima”. É fulcral tomar consciência do passado, mas é também muito importante que o cinema reflita no futuro, tanto no futuro da arte cinematográfica como no próprio futuro dos homens. O cinema deve então deixar, nem que seja parcialmente, de ser uma janela para o passado e passar a constituir uma tela para que novos artistas realizem o progresso.
Classificação (0-10): 7
Ida | 2013 | 82 mins | Realização: Pawel Pawlikowski | Argumento: Pawel Pawlikowski e Rebecca Lenkiewicz | Elenco Principal: Agata Kulesza, Agata Trzebuchowska e Dawid Ogrodnik