O mais recente filme de Terry Gilliam – O Teorema Zero é uma provocação colorida ao pessimismo de um futuro desconectado de si mesmo. Não é de hoje que o realizador eternamente ligado ao colectivo Monty Python apresenta uma estética muito própria e distinta, de que são exemplo Parnassus – O Homem Que Queria Enganar o Diabo, o clássico Brazil ou Delírio em Las Vegas (1998). Sob o pretexto de descobrir a solução a um teorema que nos revelará a origem da nossa existência, desta vez Gilliam cria uma Londres futurista onde um hacker obcecado com o seu trabalho será posto à prova num desafio para além da lógica matemática.
O filme começa com um plano de costas de homem nu, careca, invocando uma figura de monge sentado no seu altar, numa igreja em ruínas. Mas o altar não se define por figuras religiosas, estamos perante uma fé diferente, uma crença cega nos números e a busca da prova de um teorema que ninguém deseja ser verdadeiro. Aqui o deus crucificado é o “Big Brother”, mas este não está camuflado, é consentido e legal e dá pelo nome de patronato. É num ambiente de exuberante caos visual e paradoxo mental que Qohen Leth (Waltz) é manipulado pela Gestão (no filme Management) que o vai ludibriando, trabalhando a sua motivação através de festas, de uma linha de virtual de terapia e entretenimento sexual virtual, tudo em nome da boa produtividade… Fora das paredes da decrépita igreja onde vive, as ruas de Londres surgem como um amontoado de informação demasiado estridente para ser experienciado. Este é o cenário perfeito para caracterizar um contexto de individualização, alienação, miséria e subordinação em plena convivência com uma cultura de consumo invasiva. O argumento critíca a exploração humana dum ponto de vista mais filosófico e existencialista do que propriamente político, sempre com um humor que por vezes lhe retira tensão dramática e acentua a atmosfera surreal.
Terry Gilliam consegue aqui um trabalho tecnicamente estimulante, desde os frequentes planos surrealistas com a câmara rodada sobre o eixo horizontal, ao uso de lentes curvas ou aos cenários mirabolantes, contribuindo para um espetáculo visual tão superficial como as vidas das personagens. Ao redor de Qohen estão uma naipe de personagens secundárias, como satélites em órbita, cada uma mais extravagante que a outra mas a trabalhar num único objectivo: estimular um lado humano há muito esquecido. Christoph Waltz tem mais uma interpretação notável e de assinalável transfiguração, rodeado de outras boas colaborações como Tilda Swinton e Mélanie Thierry, personificações de uma dimensão mental e física, respectivamente. A banda sonora surge discreta, apenas para pontuar cenas específicas, e é escolhida a dedo para criar ambientes românticos ou festivos, culminando com uma versão jazz de Creep, denunciando toda a estranheza que este filme comporta.
Com O Teorema Zero, Gilliam não nos mostra o lado bom da vida, bem pelo contrário, relembra que “o caos é uma ordem por decifrar”, como o disse Saramago, e é nessa desordem que, sabendo da falta de sentido inerente à existência, vamos repetindo, dia após dia, as mesmas rotinas à espera que alguém nos telefone a esclarecer tudo isto. Até lá, trabalhando e consumindo, vamos mantendo a roda a girar.
Classificação (0-10): 8
O Teorema Zero | 2013 | 107 mins | Realização: Terry Gilliam | Argumento: Pat Rushin | Elenco principal: Christoph Waltz, Mélanie Thierry e David Thewlis