«Tar», versos soltos de uma vida poética

EstreiasAgo14013

O mundo de um escritor resume-se num conjunto desorganizado de observações e memórias dispersas. Estas memórias podem ser ordenadas, de forma a constituir uma história, um encadeamento com princípio, meio e fim. A isto chamamos ficção. Habituámo-nos a ler adotando uma posição relaxada, ler com o cérebro desconectado como se o que estivesse no papel fosse uma linha narrativa reta, sem interpretações paralelas, sem sentidos ambíguos. Daí a popularidade dos chamados “livros de cabeceira”, livros com pouco ou nenhum conteúdo ou valor que não seja o de constituir um soporífero, alternativa ao remédio químico Ambien.

Na poesia, no entanto, é impossível encontrar uma única linha reta. Como se se tratasse de um emaranhado de fios elétricos idênticos. E temos medo de desconectar qualquer um dos fios com receio de criar um curto-circuito. É-nos impossível seguir um único trajeto porque os versos envolvem-nos, fazem com que nos percamos numa matriz virtual de sonhos em construção.

É exatamente esta a sensação que temos ao ler (especialmente pela primeira vez) as obras poéticas de C. K. Williams. Como se estivéssemos a viajar a velocidade cruzeiro, muito lentamente, por um mundo que mistura elementos concretos, memórias etéreas e elementos sensacionais. E o destino desta viagem é como que um precipício paradoxal.

Foi exatamente esta experiência que os 11 realizadores/argumentistas quiseram retratar neste filme que tem James Franco como protagonista. O título escolhido foi retirado de uma das melhores obras de Williams, sem dúvida a mais autobiográfica. Ao assistir à exibição de Tar não se podem deixar de notar as semelhanças com Howl, outro biopic de um escritor (Allen Ginsberg), cujo título é retirado de uma das suas maiores obras. Howl, que também conta com James Franco no papel principal de Allen, é composto por uma série sucessiva de imagens à medida que o poema com o mesmo nome é recitado por Franco. Uma perspetiva pessoal, em forma de reflexão, é dada pelo autor numa reencenação de uma entrevista. Mas o ritmo frenético da poesia deste beat contrasta com a poesia de Williams, muito mais lenta e cândida. Isto dá origem a um filme muito constante, sem altos nem baixos.

tar destaque

Ao longo de 72 minutos são-nos dadas peças de um puzzle, dicas sobre as relações afetuosas do escritor, o seu crescimento, a relação íntima com a mãe – um dos elementos mais importantes da obra – e a nostalgia do passado. Uma das preocupações especiais dos realizadores foi a de captar cuidadosamente, de forma calculada, a relação de Williams com a namorada Catherine (Mila Kunis) e com o filho de ambos. Estas cenas estão confinadas ao pequeno apartamento onde vivem os dois e, embora pareçam ser felizes, alguns detalhes fazem-nos pensar que há algo mais profundo. No entanto, estes problemas nunca são revelados nem existe um real conflito, uma explosão que permita um “crescimento” psicológico das personagens.

O carácter monótono (ou monotónico) desta longa-metragem, para além de ser um fator que pode afastar a maioria do público, é a sua pior característica. O que começa por ser um ambiente envolvente criado pela contínua mudança entre as memórias do escritor, torna-se numa aborrecida repetição de lugares. A meio do filme, quando descobrimos que aquelas personagens já nada mais têm para nos dar, ficamos desapontados e assistimos ao resto com uma esperança de que algo parecido com um desenlace ocorra. A cinematografia e todo o trabalho de edição são excelentes, com sequências extraordinárias, como a que mostra o alcatrão borbulhante a escorrer, mas se virmos para além disso, este parece o produto final de um projeto de algum curso de literatura americana. Talvez o grande número de criativos envolvidos na escrita e realização se tenha tornado contra produtivo.

James Franco deveria, quem sabe, ter feito parte do núcleo de mentes criativas por trás da realização do projeto. Para além de um ator extremamente multifacetado, tem demonstrado as suas capacidades como autor na realização nos últimos anos, de curtas e longas-metragens como “Child of God”. Seja como for, esta é uma produção necessária, na medida que imortaliza a vida de um homem relativamente desconhecido do público geral, conferindo uma certa beleza intemporal à sua história e arte.

Classificação (0-10): 6

Tar | 2012 | 73 mins | Realização e argumento: Edna Luise Biesold, Sarah-Violet Bliss, Gabrielle Demeestere, Alexis Gambis, Brooke Goldfinch, Shripriya Mahesh, Pamela Romanowsky, Bruce Thierry Cheung, Tine Thomasen, Virginia Urreiztieta e Omar Zúñiga Hidalgo | Elenco Principal: James Franco, Mila Kunis e Jessica Chastain

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