Conhecido por criar ferozes personagens femininas de ficção científica, Luc Besson transformou agora Scarlett Johanson em Lucy, uma heroína por acaso. Ao estar no lugar errado com a companhia errada, Lucy vê-se envolvida numa rede de tráfico de droga muito particular. Estes traficantes lidam com uma substância que, quando usada em doses elevadas, é capaz de potenciar a nossa actividade cerebral e explorá-la até ao seu limite. Tal premissa, que cheirava a ficção científica de qualidade (ainda que o realizador tenha sido bastante claro ao esclarecer que não estava a seguir à risca o conhecimento científico nesta área), não conseguiu cumprir as expectativas e utilizou o interessante tema da inteligência humana para fazer um blockbuster de consumo rápido. O melhor do filme é realmente o seu ponto de partida e o questionamento do pouco que sabemos sobre o nosso cérebro. Se somos detentores de um órgão tão poderoso porque será que só temos acesso a uma parte tão pequena do seu potencial? Será que estaríamos preparados para o usar e que uso faríamos desse poder majestoso? Provavelmente teríamos de evoluir enquanto civilização, teríamos de curar todos os nossos problemas de ego para o utilizar sem destruir tudo à nossa volta…
As fórmulas matemáticas para construir um êxito de bilheteira (o bom ritmo que alimenta a elevada dose de suspense que agarra o espectador até ao momento final, uma actriz credível e com bom aspecto, muita violência e efeitos visuais bem conseguidos) ajudam o filme a convergir para o objectivo desejado. O senão é que se fica por isso mesmo, uma obra de entretenimento que prometia algo mais, uma premissa que dá que pensar no que daria nas mãos de Christopher Nolan, por exemplo. Consequentemente vem a inevitável comparação com Transcendence, de Wally Pfister, estreado há alguns meses, que explora igualmente os limites da nossa inteligência e do desenvolvimento de uma biotecnologia que ao mesmo tempo usa e serve os humanos, abordando o tema de forma mais profunda e interessante. Outro factor que os une é terem o mesmo mestre, Morgan Freeman: será que um dia lhe é atribuído um doutoramento em neurociências só pelos papeis que repetidamente interpreta no cinema? Ainda que Freeman seja credível em qualquer papel que desempenha, a repetição do casting parece desgastar demasiado a imagem do actor, que corre o risco de ficar rotulado como o catedrático de serviço de Hollywood. Quanto às escolhas de Johansson, a personagem enigmática e completamente neutra, sem memórias ou factor humano, que representou no complexo Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer, faz este papel parece uma versão pop dessa existência alienada.
As referências cinematográficas do filme parecem saltar como pipocas da tela. Se as lutas são uma versão de Matrix, com artes marciais onde o tempo pára e a mente controla a matéria à sua volta, os elementos naturais que espelham a evolução da inteligência humana desde os macacos até ao homo sapiens sapiens misturam referências a 2001: Odisseia no Espaço mas também a visitas a museus e documentários da BBC Vida Selvagem. Apesar de se perceber a intenção de mostrar o contínuo da evolução, estas imagens surgem em excesso, quebrando o tom da narrativa e alimentando a sua bipolaridade entre a ficção científica séria e um puro filme de acção.
Lucy revela-se um boa proposta para acompanhar durante 89 minutos em que o que de melhor oferece é entretenimento, mas de certo que não ficará como referência de filmes em torno do tema da inteligência.
Classificação (0-10): 6
Lucy | 2014 | 89 mins | Realização e argumento: Luc Besson | Elenco principal: Scarlett Johansson, Morgan Freeman, Min-sik Choi e Amr Waked