Doclisboa ’14: «Fu Yu Zi / Father and Sons»

fu yu zi

Surge bem a propósito invocar a velha máxima de que uma imagem vale mais que mil palavras. Valerá mesmo? Com Father and Sons, Wang Bing demonstra acreditar que sim. Desde logo porque os diálogos e a informação são extremamente escassos. Fica-se a saber, porém apenas no final da projecção ou através de pesquisa prévia, que o objectivo era documentar por tempo indeterminado a vida de Cai, um homem que vive e trabalha na província de Fuming, na China, numa fábrica que transforma pedra em pó, e dos seus dois filhos, todos habitando numa espécie de casebre em condições que só mesmo as imagens podem fielmente descrever. Acontece que o plano teve de ser abortado ao quinto dia, após sucessivas ameaças do patrão de Cai, ficando o documentário seriamente comprometido.

Todavia, Bing decidiu avançar com o material disponível e concluir um filme inevitavelmente marcado por planos fixos, extremamente prolongados, que convidam essencialmente à contemplação do interior da “casa”, do passar do tempo, no fundo da existência alienada destes seres humanos em condições de contestável dignidade. Vai-se absorvendo de forma contingente, sobretudo na ausência do pai, o gastar das horas dos jovens entre um televisor e um telemóvel, as suas únicas janelas para o resto do mundo, já que, como os dois únicos planos de exterior tão claramente demonstram, lá fora não há nada que valha a pena ver. Por sua vez, a faixa sonora consiste quase exclusivamente no som da programação televisiva e da actividade no telemóvel.

É desta forma crua, esteticamente exigente mas extremamente poderosa, com uma montagem que percorre o ciclo completo de um dia de vida, que o realizador chinês retrata esta realidade, recorrendo por vezes a apontamentos poéticos como o da convivência destas três pessoas com três cães na mesma “habitação”, também no seu caso um adulto e dois jovens.

O espectador menos predisposto, menos disponível, pode cair na tentação de desvalorizar o filme, quiçá com a recorrente reacção à arte incompreendida: “isto também eu fazia”. De igual modo, e com um pouco de espírito reflexivo, pode dizer-se que com tão pouca substância se conseguiu representar eficazmente o lado negro da globalização, os efeitos secundários do desenvolvimento económico à escala mundial.

Acima de tudo, Wang Bing desenhou propositadamente e de forma simples um elaborado desafio ao ego e à humanidade do espectador: se considerarmos aborrecido ou mesmo insuportável menos de uma hora e meia desta realidade, o que dizer da condição de Cai e seus filhos, que já contam vários anos de dias como este?

Nota: Fu Yu Zi / Father and Sons repete hoje, 23 de Outubro, às 00.00 no Cinema Ideal.

Classificação (0-10): 8

Fu Yu Zi (Father and Sons) | 2014 | 87 mins | Realização: Wang Bing

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