Nasceu de filmagens de cameramen das tropas aliadas recolhidas na primavera de 1945, à medida que se desmantelavam os campos de concentração nazis, e em 2014 transforma-se (finalmente) no documento ímpar que tinha sido projectado para ser. German Concentration Camps Factual Survey é uma co-producção britânica e norte-americana agora reconstruída pelo Imperial War Museum a partir de cerca de cem bobines com imagens recolhidas pelos militares, inicialmente com o intuito de registar os horrores encontrados, fazer prova irrefutável das atrocidades cometidas e, tivesse sido concluído em tempo útil, servir como instrumento fundamental para a erradicação do fantasma do nazismo na Europa e no Mundo.
Encurtando a história, a verdade é que a sua conclusão acabou por perder o timming e foi repetidamente adiada todos estes anos, sendo as gerações contemporâneas aquelas que assistem pela primeira vez à versão definitiva desta longa-metragem. O resultado é fruto de um processo tecnologicamente moderno que, todavia, seguiu com rigor o guião e os contornos idealizados pelos realizadores originais.
Introdução à parte, que mostra este filme afinal? Fundamentalmente, é preciso dizer que não se pode esperar encontrar neste texto palavras que o descrevam, pois nada é comparável à violência subjacente a estas imagens. Pelo seu peso na história do século XX, o holocausto é algo familiar e a maior parte de nós certamente já tomou contacto com muita informação sobre o assunto. Mas nada tão brutal quanto isto.
Começa com um prólogo que enquadra historicamente o filme, tanto em relação ao seu propósito fundador como ao trabalho de reconstrução, logo seguido de um conjunto de imagens de arquivo que, em poucos minutos, retratam o sufrágio (democrático, convém lembrar) que permitiu a ascensão de Hitler e do nazismo ao poder na Alemanha. No entanto, é com as filmagens do campo de Bergen-Belsen que a brutalidade gráfica se instala. Este é um primeiro caso cujo escrutínio é bastante detalhado, seguindo-se Dachau e diversos outros locais que vão sendo abordados progressivamente de modo mais sucinto, sempre geograficamente enquadrados através de mapas que funcionam também como separadores.
É verdade que o filme tem imprecisões históricas, que é intencionalmente sofisticado e que não se trata de uma crua e isenta recolha de imagens. Há uma tomada de posição, um objectivo, e a narração apenas o acentua (inicialmente existam mesmo planos para acrescentar música à banda sonora), do mesmo modo que não é inocente o tom irónico com que se retratam certas localidades alemãs como alegres e afáveis para logo em seguida revelar a dura realidade escondida ali tão perto.
Também é verdade que o povo judeu surge sub-representado, na medida em que se procura a universalização do massacre, referindo-se múltiplas nacionalidades entre as vítimas e denominando-as de “pessoas normais como todos nós”. Ou que a mensagem final, esperançosa de que a humanidade tenha aprendido uma grande lição, é puramente idílica, desde logo porque, para todos os efeitos, se trata de um filme de 1945 que ignora o devir da história e no qual não se pretende reflectir o holocausto como o entendemos hoje. E não é menos verdade que impressiona o conhecimento que o povo alemão tinha dos campos, assim como a dimensão económica e industrial associada ao fenómeno.
De qualquer modo, trata-se essencialmente de um documentário de enorme pertinência a que é impossível escapar indiferente e cujo visionamento se transforma numa autêntica experiência partilhada por todos os presentes na sala.
Classificação (0-10): 8
German Concentration Camps Factual Survey | 2014 | 72 mins