El Niño, de Daniel Monzón, é um thriller policial que prima por cenas de acção entusiasmantes baseadas numa pesquisa cuidadosa sobre o tráfico de haxixe e cocaína no estreito de Gibraltar. Ao longo de cinco anos Monzón mergulhou (por vezes literalmente) nesta aventura acompanhado por uma equipa motivada para captar esta realidade da maneira mais precisa e neutra. O realizador voou com a polícia para assistir a uma patrulha real, mas também viajou de barco com traficantes de droga numa travessia de uma margem até à outra – tudo em nome de conseguir reporduzir a adrenalina que se sente dos dois lados das fronteiras legais. As cenas de acção são gravadas ao vivo, sem recursos a efeitos especiais, para acentuar a experiência fidedigna a que assistimos, sem enganar o público mas ao mesmo tempo conseguindo imagens de grande tensão e perigo.
O filme divide-se entre três localizações: Espanha (destino final da venda), Marrocos (onde se planta e produz) e a parte inglesa de Gibraltar, onde um grupo actua protegido pela lei que os torna intocáveis pela jurisdição espanhola. Para lá das diferenças geográficas capturadas pela fotografia de Carles Gusi, os personagens lembram-nos constantemente as diferenças culturais entre os diversos pontos. Do lado espanhol, os polícias que passam anos a tentar encontrar os cabecilhas das redes de tráfico, como Jesus (Luis Tosar), o agente incorruptível que é minado dentro da sua equipa. E os rapazes que se lançam de cabeça nas redes de tráfico pela adrenalina e promessa de riqueza fácil. Monzón escolheu rapazes que nunca tinham representado como Jesus Castro, o “El Niño”, para reforçar a espontaneidade da performance. É difícil de acreditar que Castro, o responsável pelas proezas mais difíceis nas perseguições policiais com uma segurança total, antes da rodagem não sabia conduzir nem carros nem barcos. O lado inglês é representado por Ian McShane, que mesmo sem falas a sua presença e carisma personificam a supremacia do Império, e neste caso o traficante intocável. De Marrocos vêm os tocadores da “música mais bela do mundo” mas que os explora mais do que os tira da pobreza, e Miriam (Mariam Bachir), que por ser uma mulher divorciada é discriminada e anseia por uma oportunidade de sair do país, ainda que ilegalmente, para paragens espanholas.
Neste estreito apenas os macacos de Gibraltar estão ilesos e assistem como deuses do topo da cidade a estes esquemas de Homens manipulados e contramanipulados.
Abarca-se esta complexidade de realidades e interesses na sua totalidade, sem cair em redundâncias. Conseguindo agradar a gregos e a troianos, que é como quem diz a polícias e a traficantes de droga pela sua veracidade, o filme capta o real problema, não a droga mas o poder do dinheiro, sempre o dinheiro… É pelo dinheiro fácil que a juventude inconsciente entra no negócio acabando por destruir a sua vida, é o dinheiro que cria assimetrias entre uma Marrocos precária e uma Espanha que promete oportunidades, é o dinheiro que gera a corrupção nos polícias que sucumbem até por razões altruístas. Para reflexão fica a afirmação de Monzón no Cinema São Jorge, a propósito da projecção no CineFiesta: “a única maneira de parar o tráfico seria legalizar a compra e venda de droga, mas não legalizando o lucro é muito maior… “