Em Invencível, realizado por Angelina Jolie, retrata-se em jeito de homenagem a vida de Louis Zamperini, herói americano que sai vencedor da Segunda Guerra Mundial pela sua resiliência física e mental. Jolie, que se estreou como realizadora de longas metragens em 2011 com Na Terra de Sangue e Mel (também contextualizado em contexto de bélico), decide uma vez mais retratar o comportamento do ser humano face a circunstâncias extremas. O argumento assinado pelos irmãos Joel e Ethan Coen e baseado no romance de Laura Hillenbrand narra uma história incrível feita para brilhar no céu de Hollywood, porém o inacreditável é ser baseada em acontecimentos verídicos e não o elemento de novidade que (não) traz ao cinema. O início faz-se em ritmo acelerado, com uma sequência de planos que nos fazem sentir em pleno voo sobre o Pacífico num avião B-24, no qual Zamperini (Jack O’Connell) é um bombardeiro num céu impregnado de mísseis antiaéreos, mero fogo de artifício comparado ao purgatório que se avizinha. A meio desta viagem recuamos até à meninice de Zamperini, num flashback onde o homem controlado do avião transforma-se em menino com um comportamento rebelde que o prejudica a si e à sua família, numa América sempre problemática face a assuntos de imigração. Por influência do seu irmão mais velho, Zamperini entra para a equipa de atletismo e o seu talento leva-o, mais tarde, a integrar a equipa americana para os Jogos Olímpicos de 1936.
A vida deste homem parece ter andado sempre a pregar-lhe uma piada negra com este desejo de ir ao Japão desde 1936 (os Jogos seriam em Tóquio não tivessem sido cancelados), uns anos mais tarde a vida ditaria que iria lá parar pelas piores razões, ficando no ar a máxima “cuidado com aquilo que desejas” – como um colega lhe diz. Para fechar o círculo, volta ao Japão para concretizar um desejo antigo numa perfeita demonstração de invencibilidade e nobreza de espírito. Mas para atravessar o tumulto de sobreviver à guerra, Zamperini terá de testar a sua resistência mental, ao ficar à deriva no oceano com dois colegas, ao jeito de A Vida de Pi mas numa versão mais séria e lenta. O desafio de viver em constante tumulto, seja pela debilidade física marcada na pele queimada, a desidratação e a fome, o perigo dos tubarões ou os caprichos da meteorologia são sobre explorados. De outro modo, os momentos de resistência ou fraqueza mental, que seriam até mais relevantes, são abordados à superfície em alguns momentos em que há uma consciência que têm de comunicar, ou de imaginarem o que querem para comer ao pequeno almoço.
As três personagens à deriva representam três arquétipos de personalidade: Zamperini, o rebelde sem causa que amadureceu e transformou a sua força descontrolada num poder que o torna mais resistente; Phil (Domhnall Gleeson), o introvertido voltado para a sua religião que lhe transmite a força necessária para resistir, que contrasta com o ateísmo inicial de Zamperini ; e, por último, Mac (Finn Wittrock), com ares de menino egoísta e que claramente se destaca dos seus colegas pelas razões erradas.
O filme aborda a componente religiosa como resposta ao desespero, à própria finitude e impotência humanas. Primeiramente vemos Phil e a mãe de Zamperini a rezar face aos tempos difíceis que estão para vir, mas Zamperini mantém-se como espectador que respeita mas não sente essa necessidade. Todavia, há algo na aleatoriedade de quem morre e de quem sobrevive na guerra que baralha e foge ao domínio do ser humano, levando-o a procurar uma entidade superior que supostamente teria esse controlo e, ainda que na prática nada mude, há conforto e serenidade nessa fé. No decorrer da história vemos uma mudança em Zamperini, que no meio do seu próprio desespero se converte, jurando que se Ele o poupar da morte iminente ele dedicar-lhe-à a vida. Outra cena inequívoca desse simbolismo religioso acontece quando Zamperini tem de sustentar uma tábua sobre os seus ombros, surgindo como uma metáfora à Via Sacra que ele teve de ultrapassar e que “endeusa” a personagem ou, por outro lado humaniza a história de Jesus dizendo que ele era um humano tal como nós, capaz de suportar tragédias com um carácter íntegro, disponível para perdoar.
A personagem secundária mais interessante aparece mais tarde, nos campos Japoneses para onde vários militares capturados são levados: Watanabe (Miyavi), o responsável pelo campo. Esta personagem surge não para contrastar com a forte personalidade de Zamperini mas como a sua imagem espelhada do outro lado das fronteiras da guerra, como o ouvimos dizer “tu és igual a mim, só que um inimigo do Japão”. Jolie representa um tipo diferente de inimigo de guerra, um que olha nos olhos do outro e o respeita apesar das suas diferenças, um que garante a dignidade humana apesar do ódio, um que dá a oportunidade de fazer uma transmissão por rádio avisando a família que está vivo, apesar de isso ser apenas uma estratégia para o levar a trair o seu país. Nunca os americanos foram tão nobremente mal tratados como neste filme.
Apesar de ser um projecto conservador, Invencível vale pela enorme história de vida de Louis Zamperini apoiada na boa representação de Jack O’Connell, mais do que capaz de captar o espírito inquebrável de Zamperini.
Classificação (0-10): 7
Invencível | 2014 | 137 mins | Realização:Angelina Jolie | Argumento: Joel Coen e Ethan Coen | Elenco principal: Jack O’Connell, Takamasa Ishihara e Domhnall Gleeson