ENTREVISTA: Richard Starzak e Mark Burton, realizadores de «A Ovelha Choné – O Filme» – Monstra 2015

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Com a apresentação d’A Ovelha ChonéO Filme em ante-estreia na Monstra 2015, os realizador Richard Starzak e Mark Burton vieram a Portugal e o Cinemaville conversou com eles para saber mais acerca dos desafios da adaptação da série para longa-metragem, do processo de contar uma história sem diálogo e da sua visão sobre a animação em stop-motion

Cinemaville: Quais foram os maiores desafios ao imaginar um dia na vida d’A Ovelha Choné que durasse perto de 90 minutos?

Mark Burton: Naturalmente que foi um enorme passo fazer uma longa-metragem a partir de uma série cujos episódios normalmente duram 7 minutos, porque na versão curta as histórias podem ser mais autónomas, podem existir extra-terrestres ou outros elementos bizarros, mas numa versão longa é fundamental uma narrativa que as pessoas consigam acompanhar constantemente. Uma das coisas que fizemos foi dar à ovelha e às restantes personagens uma vida emocional, levando-as a sério apesar de serem bastante tolas. Enaltecemos os seus sentimentos e a ideia de família, na qual o agricultor assume a figura paternal.

Richard Starzak: E na série existe maior liberdade em relação à personalidade das personagens, que no filme têm de ser muito mais consistentes e ter reflexo ao longo da acção.

MB: Exacto, as personalidades também se vão transformando ao longo da história. Outra coisa importante era retirar as personagens da sua zona de conforto, neste caso da quinta, por isso o a cidade era o local perfeito pela oposição face ao campo. Passámos bastantes meses a experimentar diferentes linhas para o enredo até chegar à direcção final.

RS: Havia muitas e boas ideias, a dificuldade foi sobretudo fazê-las encaixar como um todo.

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CV: Apesar de ser habitual a não utilização de diálogo na série d’A Ovelha Choné, em algum momento consideraram essa hipótese para o filme?

MB: De facto, não utilizar diálogos para nos mantermos fiéis à série foi uma das primeiras coisas em que pensámos, o que foi um grande desafio, algo assustador. Não se fazem muitos filmes “mudos” em 2015…

RS: Existiu sempre a remota possibilidade, no caso de algo não funcionar de todo, de utilizarmos diálogo de forma paralela, por exemplo com alguém a surgir por detrás de uma árvore com uma guitarra cantando o que estava a acontecer. Não o fazer foi mais difícil, forçou-nos a pensar sempre de forma muito cinemática, a estar na cabeça das personagens em cada cena e inclusivamente assistimos a diversos filmes mudos previamente. Claro que há momentos em que teria sido óptimo que as personagens falassem, porque a informação passaria de forma bastante mais directa.  Mas estou feliz por não termos ido por aí, foi muito mais satisfatório e obrigou-nos a pensar melhor.

MB: Sim, de certa forma obrigou a um maior rigor e a contar a história de modo mais simples. Queríamos ter momentos de comédia conciliando-os com momentos mais emocionais e é realmente incrível o que se consegue exprimir sem recorrer ao diálogo. Usámos sons, vocalizações e comunicação não-verbal, mas também tivémos a sorte de contar com uma extraordinária equipa de animadores que na realidade foram os nossos actores, com quem discutimos ideias sobre expressões e emoções que se pretendiam transmitir.

RS: Dávamos-lhes um briefing, explicávamos o que ia na cabeça das personagens, o que elas estavam a sentir e o que fisicamente tinham de fazer para que resultasse. Por vezes eu e o Mark colocávamo-nos em frente à câmara a gesticular e demonstrar o que as figuras deveriam fazer (risos).

MB: É interessante porque na prática montámos um grande quantidade de cenas de live action num único grande filme no qual acabámos por desempenhar várias personagens mesmo antes de serem fisicamente animadas. É algo estranho de fazer para um adulto (risos).

Grant Maisey, animator, working on a crowd scene in the town squ

CV: Falem-nos um pouco sobre o espaço da história, que decorre em meio rural mas sobretudo na grande metrópole, apresentada como um lugar algo sombrio, estranho e hostil para os animais.

MB: O público está familiarizado com a envolvente rural graças à série televisiva, por isso criámos um cenário em que aquelas personagens dão como garantido o seu pequeno e feliz lugar no campo. No fundo isso acontece com todos nós, crianças ou adultos: esquecemos quão boas são certas coisas que nos são próximas. Ao usar a cidade pudemos introduzir um vilão, materializado no espírito maléfico do caçador de animais vadios, mas também a figura da Slip, a cadela órfã com péssima dentição, que deseja encontrar uma família e permite à ovelha perceber que nem todos têm uma. E depois há toda a vertente cómica associada a trazer um grupo de ovelhas para a cidade, a comer num restaurante, por exemplo. Isto sempre levando a história muito a sério, ao mesmo tempo que nos divertíamos imenso.

RS: A comédia é um assunto muito sério (risos).

CV: Completamente de acordo. É complexo e relativo, porque nunca se sabe se aquilo que se imagina divertido vai de facto resultar junto do público.

RS: Sim, e para além disso, passados seis meses depois de ver a mesma cena 20 vezes, será que ainda é divertida ou já te aborrece?

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CV: O que levou a que finalmente fosse realizada uma longa-metragem d’A Ovelha Choné?

RS: Era um desejo de longa data porque desde a primeira temporada da série que a considerei bastante cinemática, tinha mesmo de ser uma vez que não eram utilizados diálogos. Sempre fui trabalhando na ideia de uma história mais longa e há cerca de 5 anos finalmente levaram-me a sério no estúdio. Isto à medida que a popularidade da série também aumentava nos mais diversos países, desde Estados Árabes à Austrália, passando pelo Japão ou pela Alemanha.

CV: Porque será que A Ovelha Choné é tão bem recebida mundialmente?

MB: É uma realidade, falamos muitas vezes sobre isso. Por um lado deve-se à criação física da ovelha por parte do Nick Park, pois é uma figura muito forte e icónica, uma silhueta reconhecível em qualquer parte, mas por outro lado o Richard [Starzak] deu-lhe imensa personalidade e tornou-a muitíssimo cativante e divertida. Alguém dizia que assistir A Ovelha Choné é como ir de férias, porque se é transportado para aquele mundo.

RS: Primeiro, o facto de não haver diálogos torna a linguagem de comédia bastante universal e isso resulta bem. Depois, nos primeiros guiões da série a ovelha era um herói que fazia praticamente tudo, não havia o cão nem o agricultor, era apenas a ovelha e as suas aventuras. Era uma ideia um pouco ao estilo americano, que não me satisfazia particularmente. Considerei bastante mais british e natural que o protagonista representasse uma minoria oprimida algures numa quinta da qual não pode sair e que faz o que pode com os meios que tem. Parece-me que os adultos apreciam e reconhecem mais essa realidade, é mais pertinente, sendo que é uma história que também se assemelha à vivência de uma criança de 10 anos, idade em que surge uma certa rebeldia face aos pais, em si bastante universal. Para além disso, sempre vi algumas semelhanças entre A Ovelha Choné e o Buster Keaton, particularmente na rígida expressão facial, que foi uma influência nesse sentido.

CV: Consideram que as produções da Aardman se dirigem sobretudo às crianças ou a um público mais alargado?

RS: A Ovelha Choné foi efectivamente a primeira série da Aardman especificamente destinada a crianças, mas em geral o que o estúdio faz são produções cujo objectivo principal é divertir, de modo que não pensamos necessariamente em piadas para adultos e piadas para crianças mas sim em causar boa disposição transversalmente, sendo que a nossa limitação é simplesmente não chegar demasiado perto de nenhum desses extremos.

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CV: Comparativamente com a animação digital, o que é torna a técnica stop-motion tão especial e fascinante?

MB: Creio que o fundamental é que com o stop-motion no final das contas o filme existe fisicamente. Claro que inicialmente trabalhamos na história, nas cenas e construímos storyboards, mas a partir de certo momento não se trata apenas de recorrer à tecnologia digital que transforma tudo isso num filme porque existe mesmo uma produção e uma rodagem concretas, com cenários, figuras, protótipos, luzes e toda uma equipa. É como um filme de live-action só que muito lento e há uma certa magia na realização dos takes que dificilmente se retira de uma produção no computador.

RS: Pessoalmente gosto muito das limitações e dos desafios que o stop-motion impõe, porque implica desfrutar da resolução de problemas. Por exemplo, a animação gerada por computador não se depara com a questão da gravidade. Ter esse tipo de fronteiras para transpor torna o trabalho mais criativo e mais recompensador.

CV: Gostariam de deixar alguma mensagem final ao público que venha a assistir ao vosso filme?

MB: Desliguem os telemóveis (risos). Irrita-me bastante quando tocam durante um filme, chamem-me antiquado. Seriamente, gostaríamos que as pessoas desfrutassem do filme em qualquer parte do mundo.

RS: É importante referir que tivemos o cuidado de realizar o filme para um público que vai para além dos apreciadores da série. É perfeitamente possível assistir e seguir a história sem conhecer qualquer das personagens previamente, por isso simplesmente esperamos que gostem!

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