O País das Maravilhas de Alice Rohrwacher é a sua segunda longa-metragem de ficção, vencedora do Grande Prémio do Júri de Cannes em 2014. Um filme sobre um lugar, na região Umbria da Itália, que por um período de tempo foi ocupado por humanos e pela energia da sua vida. A sequência inicial do filme mostra-nos um terreno escuro e vislumbra-se ao fundo uma luz que se vai tornando mais visível até denunciar várias carrinhas: são os humanos quase como extraterrestres a chegar àquele espaço natural. A história leva-nos até ao quotidiano de uma família de apicultores que se estabelece numa propriedade em decadência e aí faz a sua vida. As quatro filhas do casal ajudam nas tarefas da agricultura e apicultura, e os pais e uma tia conduzem aquela sinfonia dissonante. A pérola das inter-relações destas personagens é o amor, muitas vezes traduzido em disciplina, entre o pai (Sam Louwyck) e a filha mais velha (Maria Alexandra Lungu). Ela é o braço direito do pai e como tal tem a sua devoção mas também o peso do rigor e da expectativa. Um tipo de amor que começa a escassear nos nossos dias frenéticos onde o sim é a única resposta que garante a satisfação momentânea dos filhos e cala o sentimento de culpa dos pais. A liberdade naquele lugar tem um significado diferente, não se trata de escolher o que fazer a cada dia, porque aí ditam as leis da agricultura, mas é algo intangível que se pode respirar. O guarda roupa é uma característica forte no filme, os personagens andam muitas vezes de roupa interior enfatizando essa liberdade que lhes é dada por viverem geograficamente afastados. O País das Maravilhas, tal como o nome do filme, é o nome de um programa de televisão, apresentado por Milly Catena (Monica Bellucci), que se instala na comunidade para premiar o melhor produtor. Este serve para nos lembrar que, se esta família é atípica, o freak show do entretenimento populesco é bastante mais. A crítica e a ironia patente nesse concurso é muito bem explorada: de maneira ultra artificial, o concurso explora e humilha a comunidade com o objectivo único de se aproveitar dos seus costumes para proveito económico. O turismo aparece como uma salvação traiçoeira com a promessa de riqueza económica a áreas esquecidas pela “civilização”. |