ENTREVISTA: Eric Ayotte, fundador do itinerante Gadabout Film Festival

EricCharlie_Gadabout

Já imaginaram um festival de cinema itinerante realizado pelos próprios meios, que cabe na mala de uma carrinha e percorre cidades pelo mundo fora para exibir incríveis curtas-metragens em caves, quintais ou parques de estacionamento? Assim é o Gadabout Film Festival, conceito refrescante e ousado que este ano esteve em Portugal depois ter passado por 45 dos estados norte-americanos e por mais de 100 cidades de países espalhados pelo mundo ao longo dos últimos 13 anos. Falámos com Eric Ayotte, fundador e produtor do festival, cineasta independente que também trabalha em projectos educativos multimédia e tem ainda um projecto musical em nome próprio.

Cinemaville: Conta-nos como começou o Gadabout Film Fest e quais foram as motivações para a criação de um conceito tão interessante.

Eric Ayotte: Estava na faculdade a realizar curtas-metragens quando submeti juntamente com um amigo dois filmes para o New York International Film Festival. Foram aceites e ficámos animados, as nossas curtas seriam exibidas antes de uma longa-metragem, um western sulista a preto e branco sobre extra-terrestres. Promovemos a sessão e reunimos amigos e familiares que também assistiram, mas no processo descobrimos a verdade por detrás dos festivais de cinema mais comerciais: eles realmente não se importam muito com os filmes individualmente. Este festival em particular fez-nos pagar por absolutamente tudo, dava a sensação de que os cineastas apenas encontravam ali uma oportunidade para se auto-promover. Não existia qualquer noção de comunidade. Estávamos no ano 2000 e tendo eu sido praticamente criado na “cena” punk D.I.Y. (do it yourself), esperava algo mais da “cena” cinematográfica, nomeadamente mais celebração da arte e mais apoio entre os intervenientes. Foi então que começou o Gadabout, em 2002, com a ideia de tratar um festival de cinema como uma banda punk D.I.Y. Arranjámos um projector, comprámos uma carrinha e partimos para a primeira tournée por todo o país. Fizemos bastantes contactos e conseguimos agendar 14 sessões logo no ano inaugural. Obviamente temos crescido e este ano já fizemos cerca de 120 projecções em 15 países diferentes. Nós adoramos curtas-metragens assim como adoramos partilhá-las. Fico extremamente inspirado por pessoas talentosas e dá-me um enorme prazer exibir curtas-metragens realmente maravilhosas que a maioria das pessoas provavelmente não teria visto de outra forma.

CV: Como é que o festival funciona na prática, não só em termos de recepção e selecção de filmes mas também no modo de organização das projecções e outro tipo de iniciativas?

EA: Nós aceitamos candidaturas durante todo o ano. Nos primeiros anos ainda recebíamos filmes em Mini-DV, VHS e DVD pelo correio, o que logicamente envolvia um maior esforço para submeter embalagens fisicamente, mas agora já nos chega quase tudo online. Costumamos pedir uma taxa de inscrição sugerida de 5 a 20 dólares, mas desde o início nos propusemos a ser um festival que NÃO ganha dinheiro à custa dos realizadores. Subsistimos basicamente das sessões, do dinheiro feito em cada noite. Também temos algum merchandising, o que dá uma ajuda. Normalmente aceitamos cerca de 10% ou menos dos filmes submetidos, sendo a duração o motivo mais comum para não aceitar boa parte deles. Considerando que é um festival itinerante com sessões de cerca de uma hora, não temos muito espaço para trabalhos um pouco mais longos. Também tentamos falar com cineastas de que gostamos e sugerir que se candidatem.

Gadabout_screening

CV: Porque é que o Gadabout trabalha especificamente com curtas-metragens?

EA: Nos últimos 3 anos temos organizado um grande evento de arranque na nossa cidade, Bloomington, no estado do Indiana, que dura um fim-de-semana ao longo do qual também exibimos longas-metragens e curtas de maior duração. Pelo contrário, o programa de tournée é de apenas uma hora, aproximadamente, por isso tentamos preenchê-lo com o maior número possível de propostas curtas e frescas. Essa é grande parte da razão e, em última análise, adoro curtas-metragens. Há muito mais espaço para fazer o que se quiser com menos convenções. Para além disso, são fáceis e dinâmicas de assistir. Como costumamos dizer, “se há um filme que não te agrada, ele vai terminar brevemente e poderás gostar já do próximo.”

CV: Sabemos que também tens um projecto de música e que muitas vezes alias às projecções uma actuação ao vivo. Consideras que falta no cinema, e até noutros campos culturais, uma atitude mais punk, de transposição de fronteiras, de fazer as coisas por si próprio liberto de formalismos?

EA: Completamente. Isso é, basicamente, a nossa missão. Apenas sabemos criar arte em contexto D.I.Y., por isso fazer um festival de cinema dessa forma foi bastante natural. Adoro o espírito a que está associado e a inspiração que pode gerar nas pessoas que vêm às nossas sessões.

EricCharlie_Gadabout

CV: Como descreves a experiência de viajante com um festival de cinema na bagagem, mostrando-o às pessoas de cidade em cidade?

EA: As pessoas tendem a ficar impressionadas, animadas e inspiradas pelo nosso festival itinerante. O principal elogio que ouvimos é “não esperava que fosse tão bom.” Pode parecer estranho, mas adoro isso. Percebo o que querem dizer. Quando aparecemos com o nosso próprio equipamento e criamos um cinema em qualquer local, num bar, num café, num quintal, etc., as pessoas esperam que seja a nossa “cena”, e em parte é, mas também levamos a curadoria muito a sério e temos orgulho da triagem das melhores curtas-metragens que encontramos. As reações são incrivelmente unânimes de cidade para cidade, de país para país. Também por se tratar de um festival itinerante, um número muito maior de pessoas acaba por ver os nossos filmes do que se investíssemos todo o nosso tempo e energia numa única noite de festival numa só cidade.

CV: Numa era marcadamente digital, em que uma parte considerável dos filmes exibidos provavelmente está disponível online, porque é que vale a pena ir vê-los a eventos como o Gadabout?

EA: Excelente pergunta. Quando começámos, um dos objectivos era criar uma montra para curtas-metragens. Isto foi 5 anos antes do YouTube e não existiam lugares onde ver boas curtas. Hoje a nossa missão passou a ser mais de curadoria e apresentação. Seleccionamos filmes surpreendentes, difíceis de encontrar numa imensidão de conteúdo online, e exibi-mo-los numa tela grande com som decente. Tentamos dar aos filmes um respeito que não existe quando são visionados no ecrã do telefone ou do portátil com altifalantes de baixa qualidade. Sinto-me bastante confiante com o nosso objectivo actual e julgo que vamos manter a relevância durante algum tempo. As pessoas adoram sair para ver filmes!

CV: Queres deixar algumas considerações finais aos leitores portugueses?

EA: Esta foi a nossa primeira vez em Portugal e fomos muito bem tratados. Temos definitivamente de pensar em voltar e possivelmente trabalhar com mais pessoas noutros projetos. Gostaria também de mencionar que temos um desafio de filmes mensal que está em curso e é aberto a qualquer pessoa que queira realizar. A cada mês há um novo tema, podem criar-se filmes seguindo-o de forma mais solta ou mais rigorosa e enviá-los. Fazemos uma triagem e adiciona-mo-los ao nosso arquivo. Estamos a organizar exibições do desafio mensal em cada vez mais cidades, por isso, quem sabe, um dia o façamos em Lisboa!?

Site do festival:
gadaboutfilmfest.com

Site do desafio mensal:
monthlymoviechallenge.com

Site do projecto musical:
iamericayotte.com
gadabout-circle-logo

ENGLISH VERSION

Cinemaville: Tell us how The Gadabout Film Fest started and what were the motivations to create such an interesting concept.

Eric Ayotte: I was making short films in college, and a friend and I submitted two of our films to the New York International Film Festival, and they got excepted. We were so excited. Our shorts would be showing before a feature film, a south western, black and white, subtle alien type feature (there’s a whole genre). We promoted it, got some friends and family out. We discovered the real truth behind more commercial festivals, that they don’t really care too much about individual films. This particular festival made you pay for everything, and it seemed like filmmakers were just there to self-promote. There was no sense of community. This was 2000. I was pretty much brought up in the DIY punk scene, so to me, I was wanting something more out of a film scene. Expecting more celebration of film, and more support. So I started the Gadabout in 2002 with the idea of treating a film festival like a DIY punk band. I got a projector, bought a van, and set off for our first tour across the country. I reached out and was able to book 14 screenings that first year. We have obviously grown, and this year we have done 120 screenings in total, in 15 different countries.  We love short films, and we love sharing them. I get extremely inspired by talented people, so it gives me great pleasure to screen really wonderful short films that most folks would not have seen otherwise.

CV: How does it actually works in practice, in terms of how you receive and select films but also how do you arrange screenings and what kind of special initiatives do you promote?

EA: We accept submissions all year round. First few years we were still getting mini-dv tapes, VHS, and DVD’s in the mail, which obviously more folks put effort into physically packaging there submission. We now take almost all submissions on-line. We used to ask a suggested submission fee of $5-20, but from the beginning we set out to NOT be a festival that makes money off of filmmakers. We rely exclusively on our screenings, and the money made on that night. We also have some merchandise that helps. We accept about 10% or less of the films submitted. With the most common reason for not accepting being length. Given that we are a touring program of about an hour, we don’t have much room for longer shorts. We also tend to reach out to filmmakers we like and suggest they submit.

CV:Why is the Gadabout based on short films in particular?

EA: For the past 3 years we have hosted a larger kick-off event here in Bloomington, IN, where we do screen feature films, and longer shorts. We schedule that over a whole weekend. Our touring program is only about an hour, so we try to pack it with as many cool short films as we can. So that is the big part of the reason. Ultimately I love short films. There is so much more room to do what you want with less conventions. They are very easy to watch too. We always say “if there’s one you don’t like, it will be over soon enough, and one you will like is right after.”

CV: We know you also have a music project and that you often play live together with the screenings. Do you think cinema and other cultural fields lack some of that punk attitude to cross borders, do things for yourself and shake of the formalities?

EA: Absolutely. That is basically our mission. We only know creating art in the DIY setting, so to us, doing a film festival this way was only natural. I love the spirit it comes with, and how inspiring it can make people that come to our screenings.

CV: Since we live in a heavily digitalized era, in which a considerable part of the films you show may be available online, why would you say its worth to see them at events like the Gadabout?

EA: Great question. When we started our purpose was to be a place to showcase short films. It was 5 years BEFORE youtube, so there wasn’t anywhere you could see good short films. Now we our since of purpose is in curation and presentation. So we find amazing short films you wouldn’t know how to search for through ALL of the content on-line, and then we screen it on a big screen with proper sound. Given the films a respect that is missing from viewing them on your phone or laptop with crappy speakers. I feel very confident on our purpose now, and think we will stay relevant for some time. People love going out to see films.

CV: How do you describe your experience as a traveller with an itinerary cinema project on your bag showing it to people from town to town?

EA: I think people tend to be impressed, excited, and inspired by our traveling festival. The main complement we hear is “I wasn’t expecting it to be so good.” Which might seem strange, but I love it. I know what they mean. We show up with our own equipment and set up a cinema in a venue, bar, coffee shop, back yard, etc., and folks expect that to be our “thing”, which is partly is, BUT we also take curation very seriously, and take pride in screening some of the best short films we can find. They reactions are pretty unanimous town to town, country to country. Also as a traveling festival, way more people see our films then if we spent all our time and energy working on a one night only festival in one town only.

CV: Do you want to add any final remarks to our portuguese readers?

EA: This was our first time in Portugal, and we were treated so well. We definitely plan to come back and to work with more folks on some other possible projects. We also do a monthly movie challenge that is on-going and open to anyone. I definitely wanted to mention that. Each month there is a theme, and you can make a film as loose or strict to that theme as you’d like, and send it in. We have a screening, then add it to our archive. We are working on plans for more screenings of the monthly challenge in other cities, so who knows, maybe Lisboa!?

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