Irreverente, honesto e intenso: assim é Love, realizado e escrito por Gaspar Noé, um drama sentimental visualmente explícito. Noé tem um gosto especial por abordar temas pessoais intensos e extremos como a violação em Irreversível ou a viagem ao mundo das drogas em Enter the Void e fá-lo através de uma forma muito visual que exacerba a sua narrativa. Em Love a junção do argumento e dos aspetos visuais compõem uma simbiose em êxtase. Numa toada quase biográfica, Noé esboça Murphy (Karl Glusman), um jovem realizador que procura um tema para a sua obra e que a encontra na sua vivência pessoal. Paris dá o cenário para mais uma história de amor arrebatadora e o mote é expresso por Murphy, quando revela querer fazer um filme capaz de captar verdadeiramente o sentimento sexual – força motriz do enredo.
Apesar do buzz enquanto suposto filme porno, as cenas são muitas delas quotidianas. Não há nada de profundamente inovador e o próprio 3D não é mais do que o odorama que John Waters usou em 1981 em Polyester. O que Noé consegue de diferente é a comunicação deste sentimento sexual, que proporciona ao casal um turbilhão de emoções, imprimindo um ritmo entusiasmante que cativa o espectador. A montagem contribui para este efeito ao mostrar paralelamente Murphy com uma morena, Electra (Aomi Muyock), que lhe ocupa os seus sonhos mais íntimos, para logo de seguida o vermos com uma loira Omi (Klara Kristin) e um bebé que chora. Os nomes das personagens são baseados em pessoas da vida privada de Noé (reforçando novamente o lado biográfico) e num tom irónico a personagem principal Murphy é confrontada com um letreiro que diz: “qualquer coisa que possa correr mal, correrá mal”.
O argumento desenrola-se com repetidos flashbacks e fast-fowards, que já tinham sido usados em Irreversível, mas que aqui acrescem em complexidade e nos vão permitindo montar o puzzle de mil peças. Nos fragmentos mostrados vamos percebendo a teia que enrola estes três personagens e quase os sufoca. Um amor que de tão livre e sentido foi traído e com isso toda a relação de confiança se rompe… assim como um preservativo. A relação sentimental de Murphy e Electra é explorada através do seu sexo. É nele que eles disputam o poder que têm um sobre o outro, que fazem juras de amor e se entregam sem pudor. Esses momentos mais lentos e íntimos são depois contrastados cenas mais eletrizantes acompanhadas com uma banda sonora mais aguerrida no momento em que Murphy, Electra e Omi decidem fazer um ménage à trois. Os planos filmados a partir do teto e os cortes entre cenas fazem da composição algo sedutor e nunca um cliché saído de um vídeo pornográfico. Planos que focam os olhos tentando chegar à psique, às emoções mais primárias e verdadeiras destes seres tornam as cenas mais emocionais.
As interpretações dos atores não são o elemento mais forte, mas o facto de Noé ter dado espaço ao improviso (e ser essa a cena que fica na montagem final) transparece algo de verdadeiro que funciona.
Em Love, Noé desmistifica o tabu de mostrar esse prazer sexual no cinema e do papel importante que o sexo tem na relação que as pessoas estabelecem entre si, tal como Lars von Trier ou Abdellatif Kechiche o fizeram. Talvez não para todas as sensibilidades mas sem dúvida um filme que não se esquece facilmente.
Classificação (0-10): 8
Love | 2015 | 135 mins | Realização e argumento: Gaspar Noé | Elenco principal: Aomi Muyock, Karl Glusman, Klara Kristin