Black, realizado pela dupla Adil El Arbi e Bilall Fallah, é um romance shakesperiano actual, transgressor, livre e crucial. O argumento é baseado nos livros do jovem escritor flamengo Dirk Bracke, que descreve sem artefactos o dia a dia de jovens que vivem numa Bruxelas inóspita e sombria. Sendo ficcional, nem por isso deixa de ser sociologicamente robusto o retrato deste tipo de gangues, fundados a partir de etnias minoritárias em contextos de imigração por jovens (mas não só) que não se enquadram na nova realidade e decidem virar-lhe as costas. Trata-se de uma conflituosidade duplamente reforçada: de um lado, pela discriminação quotidiana da face dominante da sociedade face às minorias; do outro lado, pela posição “à margem” adoptada pelos gangues, também ela uma componente de legitimação da sua própria existência.
No filme somos testemunhas da estória de Mavela (Martha Canga Antonio), uma jovem de 15 anos integrada pelas mãos do seu primo no gangue “Black Bronx”. Mavela tem uma meninice rebelde recusa obedecer aos conselhos da mãe mas cai numa teia de regras obtusas impostas pelo gangue. Aliás, é bastante acentuado o enfoque nas estruturas hierárquicas e nas relações de género nos grupos retratados, com as mulheres predominantemente colocadas em posição de subserviência. Isto porque são complexas as nuances que compõem os mecanismos de aceitação e integração, sobretudo na adolescência, capazes de deitar por terra anos de educação parental mediante a tentação de obter um estatuto social com popularidade.
Tudo muda quando Mavela conhece Marwan (Aboubakr Bensaihi), personagem apresentada a praticar pequenos furtos pela cidade a uma população que ocupa uma outra Bruxelas. Marwan é marroquino e irmão do chefe do gang 1080s, conhece Mavela numa esquadra de polícia e começam a relacionar-se, mas quanto mais se aproximam mais os seus mundos os separam. Como dois príncipes de gangues opostos, têm de travar uma batalha pela sua liberdade individual.
O filme tem um bom ritmo que nos deixa presos à trama e vai crescendo até ao seu desfecho apoteótico. A banda sonora é sempre muito emotiva e acrescenta uma carga de tensão às imagens, em particular nos momentos de música diegética, quando os personagens ganham força para conduzir actos extremamente violentos através da música. Um dos temas mais marcantes que acompanha Mavela é uma versão de “Back to Black” de Amy Winehouse, que traduz o estado perturbado e embebido em que Mavela se encontra (além de fazer o trocadilho com o nome do gangue no qual se encontra implicada). Black – Amor em Tempos de Ódio é capaz de emocionar e de mostrar que há mais mundo para lá do conflito, que a criminalidade tem muitas camadas de causalidade e que, em última análise, encontramos quase sempre alguém a um nível superior a lucrar perversamente com ela. Fá-lo ainda sem tentativas de suavizar a realidade, saindo o espectador da sala de cinema com vontade de iniciar uma conversa. A não perder.
Classificação (0-10): 8
Black | 2015 | 85 mins | Realização e argumento: Adil El Arbi e Bilall Fallah | Elenco principal: Sanâa Alaoui, Martha Canga Antonio e Aboubakr Bensaihi