«120 batimentos por minuto»: só o silêncio é a morte

120 Batimentos por Minuto, do francês Robin Campillo é um filme arrebatador, militante e corajoso. Somos transportados para o final dos anos 90, em Paris, durante uma acção da associação ativista Act Up, que pretende sensibilizar a sociedade e lutar pelos direitos dos seropositivos, no começo da epidemia do VIH. Baseado na experiência pessoal de Campillo enquanto ativista da Act Up, este filme espelha uma honestidade e complexidade inquestionável da luta destes jovens para se manterem vivos e sãos perante a decadência de um sistema social. Num país liderado pelo governo do socialista François Mittérrand, negligente a uma parte da população que continua sem respostas para a crise de saúde instalada, a industria farmacêutica age em prol de estratégias mercantis desfavorecendo quem realmente necessita dos seus produtos.

Campillo que já tinha feito um excelente trabalho enquanto argumentista no filme The Class, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2008, continua ágil na escrita de longas e ritmadas cenas de diálogos fervorosos entre membros da Act Up, refletindo os diversos pontos de vista, dos mais conservadores aos mais provocadores, dando a descobrir as várias estórias de como cada um acabou por ser contagiado. Vítimas da falta de informação sobre a prevenção da doença e que foram infetados pela paixão, outros contagiados por transfusões de sangue infetado em hospitais, na maioria dos casos o denominador comum é a falta de conhecimento que existia. Cada personagem é humana, fácil compreender e de empatizar, e o drama reside na perda de cada uma destas pessoas por um vírus que pontua visualmente o filme de uma maneira muito sensível e poética. Na analogia entre o contra luz da poeira que preenche o ar e as partículas livres e células imunitárias infectadas que atacam os seus corpos, está presente o combate invisível que sofrem a cada segundo, interna mas também externamente, com a indiferença de um mundo inteiro que os esquece vezes e vezes sem conta. Em 1990, após uma década de mortes causadas pelo estado de imunodeficiência causado pela doença, existiam cerca de 6 mil novos casos de pessoas infetadas anualmente pelo vírus em França, o dobro do números de casos no Reino Unido ou na Alemanha.

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Mas não é só de ativismo que o filme trata. A humanização do drama é conseguido  através da personagem principal Sean (Nahuel Perez Biscayart), um jovem aguerrido que toma a vida nas suas mãos, sem tempo a perder e é através dele que aprofundamos uma estória de vida. Sean, seropositivo, envolve-se com um novo membro da associação, Nathan (Arnaud Valois), seronegativo, e através da sua história de amor entramos na intimidade de duas pessoas que se cuidam e respeitam. As cenas ritmadas das acções da Act Up são intercaladas com o calor das cenas contemplativas e carinhosas do casal, e a tensão que se vai adensando agarra o espectador pelo colarinho até ao fim.

Na conversa que Robin Campillo teve com os espectadores na ante-estreia do filme, no dia 4 em Lisboa, contou que fez este filme a partir das suas memórias, das ações de esclarecimento e protesto junto da classe política, laboratórios farmacêuticos e da sociedade civil. Descreveu a realidade como uma bipolaridade complexa, via amigos seus a morrerem, mas ao mesmo tempo foram tempos felizes, porque o grupo era muito divertido, as pessoas eram felizes por estarem juntas, havia uma amizade muito forte, e vontade de mudar a maneira como a sociedade olhava para a doença.

A diversidade da fotografia de Jeanne Lapoirie acentua a complexidade das vivências destes jovens, distinguindo inequivocamente o lado racional dos debates que se situam na cinzenta sala de reuniões, com o lado fervoroso das ações de protesto usando cores garridas, como o vermelho sangue que representa a vida (na ação contra a farmacêutica ou na cena do rio Sena tingido pela perda destas pessoas). Lapoirie utiliza uma fotografia mais contrastada e pop nos momentos de escape e explosão na pista de dança, tornando-a mais escura nos momentos de intimidade, tornando-os mais ternos e secretos.

120 Batimentos por Minuto foi distinguido em fevereiro com o Grande Prémio da Crítica, o Prémio Queer no Festival de Cinema de Cannes, foi considerado como tendo a melhor montagem nos Prémios Europeus de Cinema e é o candidato Francês ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Classificação (0-10): 9
120 Batimentos por Minuto | 2017 | 140 mins | Realização: Robin Campillo | Argumento: Robin Campillo e Philippe Mangeot | Atores:  Nahuel Pérez BiscayartArnaud ValoisAdèle Haenel

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