«Ama-San», a pérola nipónica

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Em Ama-San, Cláudia Varejão mergulha-nos numa história mágica, embebida em pormenores quotidianos da vida das míticas ama‑san, mulheres japonesas que perpetuam uma tradição milenar, de mergulhar em apneia até ao fundo do oceano, em busca do seu sustento.

O documentário mostra a delicadeza dos corpos e a elegância natural destas mulheres captadas pela fotografia exímia dos mergulhos. Remontamos a um imaginário de fantasia, de sereias modernas não em busca de pérolas, mas de algas, ouriços e abalones… como a realidade é tão aborrecida… mas o filme não o é. Numa montagem paralela entre a vida profissional e a vida privada, a realizadora dá a conhecer três mulheres de três gerações – Masumi, Mayumi e Matsumi, que mergulham juntas na vila piscatória de Wagu da Península de Shima.

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O ritmo do filme permite absorver toda a sapiência que as imagens mostram. A diferença de idades entre as colegas pode variar em mais de quarenta anos, mas naquele barco são todas iguais, não há lugar para maternalismo. As mais experientes ensinam como colocar o lenço tradicional às mais novas; estas, por sua vez, percorrem trilhas diferentes, que partilham. E apesar de haver alguma competição referente à quantidade de pesca que fazem (ouvimos uma ama-san mais velha dizer “hoje foi a experiência que ganhou“), a competição serve-as num sentido positivo, através da estimulação e da superação. Existe um sentido de equipa, de cooperação, que serve tanto um sentimento individual de conseguir fazer o seu trabalho da melhor maneira, como um sentimento social de pertença a uma comunidade que se entreajuda: ao cozinharem o almoço, ao descansarem juntas e ao celebrarem a sua profissão. O documentário é pontuado com música diegética dos karaokes, que não poderiam faltar num retrato japonês, e dos cantos destas sereias ama-san que sabem o quão importante é ter também um lado descontraído da vida que ajudar na busca de serenidade e felicidade.

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O mundo subaquático em que vivem por momentos, que exploram e de que dependem, é encarado com devoção, com um respeito profundo, denotando um conjunto de valores e normas inerentes à sociedade japonesa. Esta ambivalência enquanto coletoras e cuidadoras, questiona o papel da mulher na sociedade oriental, revertendo o papel masculino e feminino em meios ainda bastante conservadores. As ama-san são mulheres estimadas na sua sociedade mas igualmente incompreendidas (“às vezes não sei porque escolhi uma vida tão difícil”). Parecem fazer o seu trabalho com uma destreza enorme, mas Varejão dá-nos também o outro lado da história, as doenças associadas a este trabalho e o medo das condições que vão encontrar no mar a cada vez que mergulham.

Ama-San é sem dúvida uma homenagem sem bajulações a estas mulheres corajosas que tão bem equilibram a fragilidade e força femininas. Um documentário em forma de pérola perdida num oceano de crises e tormentos sociais do mundo ocidental. Obrigada!

Classificação (0-10): 8

Ama-San | 2016 | Realização: Cláudia Varejão 

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