Debate sobre transgénero «Uma Criança como Jake»: invente-se uma nova sociedade!

Com organização da Alambique e Zero em Comportamento, o filme Uma criança como Jake, de Silas Howard, tem três sessões especiais antes da sua estreia comercial marcada para dia 21 de março. A primeira  aconteceu ontem nos cinemas UCI El Corte Inglés, seguida de um debate com a presença do psiquiatra e escritor Daniel Sampaio.

Enquanto cinéfila sempre senti o cinema como uma arte que transporta para outras vidas, como se por momentos fosse aquela personagem, calçasse os seus sapatos e vivesse a sua vida. Ao longo dos anos isso representou inúmeras experiências vividas e sobretudo uma grande empatia por um mundo que é vasto, complexo e desafiante. E nada melhor que um filme para estimular uma conversa.

Silas Howard troca-nos as voltas com o título do filme: seria de esperar que tratando-se de um realizador trans em Hollywood, quisesse retratar esta história do ponto de vista da criança, mas as personagens centrais são os seus pais, Alex (Claire Danes) e Greg (Jim Parsons). Com quatro anos, Jake começa a evidenciar escolhas que estão em inconformidade com o que tradicionalmente se espera de um rapaz: os brinquedos, a roupa, o imaginário de brincadeiras. E se dentro de casa, na esfera íntima, tudo está bem, o confronto com o mundo exterior gera uma grande angústia e dúvida sobre como proteger e potenciar a inteligência da criança, a partir da escolha da escola primária.

O debate foi envolvente e a diversidade de testemunhos trocados entre o público, o moderador Rui Pereira (Zero em Comportamento) e Daniel Sampaio tornaram a conversa profícua, mas também ilustrativa de que entre as diferentes opiniões persiste muito desconhecimento e acima de tudo dúvidas. Mas se a dúvida e o questionamento fazem parte da experiência humana, o preconceito não deveria. Se aprendemos que o ser humano tende a temer o desconhecido, também já é tempo de evoluir e esperar mais e melhor de uma sociedade que teima em ficar amarrada a certezas normativas caducas.

A conversa fluiu entre identidade de género e sexualidade, como se da mesma coisa se tratasse, o que não é verdade. Identidade de género define o género com que a pessoa se sente identificada, que pode corresponder ou não ao sexo biológico (feminino ou masculino), ou que não se identifica com esta opção binária. Por seu turno, sexualidade define a atracção emocional ou física que a pessoa sente em relação a outras. A interação entre identidade de género e sexualidade pode ter as mais diversas combinações, mas são conceitos bem diferentes.

Ainda que a ciência não saiba explicar o porquê deste conflito interior, visto que nada difere a nível de cromossomas ou sistema hormonal, é importante lembrar que a não conformidade com o sexo biológico não é considerada como doença mental pela Organização Mundial de Saúde. É entendida como um conflito interno que precisa da ajuda da medicina para alcançar uma solução (seja através de terapia hormonal ou da cirurgia).

Daniel Sampaio foi peremptório em dizer que a chave é a inclusão, que pais e educadores devem estar atentos e sobretudo ouvir, ser compreensivos e, se necessário, procurar ajuda profissional. O género deve deixar de ser definido por dois pontos extremos, pois existe um contínuo entre o feminino e o masculino, muitos tons de cinzento nesta escala. Outro tema debatido, próximo deste mas que não foi devidamente enquadrado, foi o da expressão de género e dos modelos de feminilidade e masculinidade. Contava Daniel Sampaio que nos anos 1970 as mulheres eram amplamente criticadas por serem mães ausentes, ao prosseguirem uma carreira profissional, e os homens igualmente acusados de serem demasiado ternos ou por ficarem em casa com as crianças.

Mais do que uma vez se voltou à esfera da sexualidade. “E se uma menina chega a casa do infantário e diz ter duas namoradas, isso não quer dizer nada? Não. Por um lado, porque nessas idades a sexualidade é vivida sem a questão do corpo como elemento erótico. Por outro lado, porque ainda nada está inflexivelmente decidido nesta idade.” Sim claro… mas e se ela for lésbica, estamos a lidar com algum problema?

A discussão terminou em redor do papel das escolas, falando-se de como integram estas crianças ou adolescentes. Os casos de bullying continuam a existir, mas há progressos na aceitação por parte dos colegas (por vezes maior do que o dos professores).

O caminho faz-se caminhando mas, perante tal agitação social, se quem tem proximidade com pessoas trans acaba por estar informado e é levado muitas vezes pelo amor a vencer o preconceito, os profissionais de educação, que escolheram ser pilares base de uma sociedade de conhecimento, deveriam ter formação e ser um exemplo de ética e responsabilidade social perante as gerações futuras. 

Invente-se uma nova sociedade!

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