Um Bairro, Três filmes: «Um Fim do Mundo», «Bela Vista» e «Cama de Gato»

Um Fim do Mundo, Bela Vista e Cama de Gato são três abordagens diferentes, resultantes de um concurso promovido pela Câmara Municipal de Setúbal em 2010. Este concurso visava a realização de um projecto cinematográfico no Bairro da Bela Vista. O resultado são três obras de estruturas completamente diferentes, mas que se cruzam como peças de um puzzle, que se completam e nos mostram uma figura maior do que a mera soma das partes.

Todos eles nasceram de um período comum de 3 meses de pesquisa, répéragem e desenvolvimento no mesmo bairro, nas mesmas ruas, com as mesmas pessoas. Por isso achámos que fazia todo o sentido que as personagens se encontrassem, cruzassem, dialogassem, como acontece na realidade. -Pedro Pinho

Um Fim do Mundo, que começou por ser uma curta metragem sobre o final da adolescência, tornou-se uma longa metragem que nos transporta numa “deambulação minimalista, onde não se passasse nada mas tudo pudesse acontecer. Um grupo de raparigas e rapazes perdidos num tempo estendido, num dia que se prolonga sem querer acabar.” O ritmo do filme espelha essa sensação de deambulação sem nunca se tornar desinteressante. Com uma equipa de actores que vamos descobrimos ao longo do filme e que nos conquistam.

Um Fim do Mundo parte de um roteiro ficcional para ir ao seu encontro na realidade onde irá decorrer. Bela Vista é um documentário de base estritamente observacional. Cama de Gato parte de uma realidade concreta para construir um percurso ficcional. – Pedro Pinho

A sinopse de Bela Vista decompõe o nome nas suas partes: BELA – Aprazível, deleitosa, amena. Perfeita para o fim a que se destina… VISTA – Acto ou efeito de ver. Tudo o que a vista alcança desde um lugar. (…) Representação de um lugar pela pintura, pela gravura, pela fotografia…

Da mesma maneira, o documentário vai desmontando o bairro, por vezes associado com uma visão generalista e preconceituosa, nas suas peças individuais, sejam os corredores (que ao longo do tempo foram sendo individualizados pelos moradores), ou as pessoas que os habitam, e as suas histórias e hábitos. Somos postos no olhar de quem vem de fora e assiste ao pulsar daquele bairro, por vezes sentindo-nos cúmplices de brincadeiras e conversas, por vezes voyeurs de vidas travadas por um portão de ferro.

Começar pelo documentário, também foi uma estratégia de aproximação ao bairro, uma forma de legitimar a nossa presença. – João Miller Guerra e Filipa Reis

A dupla de realizadores continuou o seu trabalho com Cama de Gato, uma ficção que aborda o tema da gravidez na adolescência.

A actriz, Joana, foi escolhida num casting no Bairro da Bela Vista. Ela apareceu-nos como uma boneca de loiça pintada, frágil, pálida, com um laçarote na cabeça. Aos poucos foi-se partindo ganhando uma complexidade encantadora. A dualidade entre a sua força e a sua fragilidade, a sua alegria e a sua tristeza, entre a liberdade e a prisão em que se confundia, conquistou-nos por completo. A intimidade e cumplicidade com ela criadas permitiram-nos fazer este filme. -João Miller Guerra e Filipa Reis

No início quase nos parece um reality show, onde seguimos Joana na sua vida quotidiana, em todos os seus afazeres e interacções sociais, sem saber muito bem onde está a fronteira entre o documentário e ficção. O filme depende dessa jovem que enche a tela com todas as suas peculiaridades e características, num trabalho de entrega, até ao íntimo da sua alma. O filme peca por ser um pouco longo até ao momento clímax, onde o chão nos saí dos pés, e somos arrebatados pela vida, pela Joana, pelo Cama de Gato.